Problemas no banco português Espírito Santo abalam mercados globais

Josie Cox e Patricia Kowsmann
The Wall Street Journal

Preocupações com a saúde das finanças do Banco Espírito Santo, uma das maiores instituições financeiras de Portugal, estremeceram os mercados globais ontem, golpeando ações de empresas no sul da Europa e derrubando as bolsas americanas. Investidores migraram para ativos tradicionalmente considerados seguros, como o ouro, as notas do Tesouro americano e os títulos do governo alemão. O Bund alemão com vencimento em dez anos foi negociado ontem ao nível mais alto em dois anos.

O choque português desestabilizou o ambiente calmo visto nos mercados nos últimos meses, que havia permitido que governos e empresas antes considerados de alto risco emitissem dívida e ações – inclusive Portugal, que atraiu forte demanda para os títulos soberanos de longo prazo que emitiu há algumas semanas.

A turbulência nos mercados ontem fez lembrar as oscilações amplas e bruscas vistas durante a crise de dívida da zona do euro: todos os principais índices de ações da Europa fecharam no vermelho. Em Nova York, a Média Industrial Dow Jones caiu 0,4%, para 16.915 pontos. O índice S&P 500 recuou 0,5%, para 1964. O euro também fechou em baixa.

No epicentro do abalo está o Banco Espírito Santo (BES). As ações do banco têm estado sob pressão desde que surgiram suspeitas de irregularidades contábeis em empresas do grupo, no fim de maio. Mas os papéis despencaram ontem depois que os investidores foram surpreendidos com a informação de que sua holding, a Espírito Santo International (ESI), atrasou o pagamento de juros relativos a alguns títulos de dívida de curto prazo. As ações do BES caíram mais de 17%, para o piso do índice Stoxx Europe 600, antes de a negociação delas ser suspensa.

Operações com as ações do acionista majoritário do BES, o Espírito Santo Financial Group AS (ESFG), na bolsa de Luxemburgo também foram suspensas no início do dia, segundo a própria empresa devido a “contínuas dificuldades materiais” na holding. “O ESFG está no momento avaliando o impacto de sua exposição à ESI.” Um porta-voz da Espírito Santo International não quis comentar.

Uma pessoa familiarizada com a situação do BES disse que o banco tem capital suficiente para lidar com uma possível inadimplência da holding Espírito Santo International e suas unidades. A crise do Banco Espírito Santo começou em dezembro, quando o The Wall Street Journal relatou pela primeira vez preocupações com a forma como a Espírito Santo International, um conglomerado que engloba empresas de vários setores, estava captando fundos e avaliando certos ativos. Ciente dos problemas potenciais, o banco central de Portugal ordenou uma auditoria nas contas do conglomerado.

Em maio, o Banco Espírito Santo, cujas ações são negociadas em Lisboa, revelou que a auditoria havia detectado que a Espírito Santo International estava em uma “situação financeira grave” e descoberto irregularidades contábeis. Os problemas se intensificaram nesta semana, quando a Espírito Santo International atrasou os pagamentos de juros em alguns de seus títulos de dívida de curto prazo, um sinal para os investidores de que o conglomerado está sob crescente estresse financeiro.

Os críticos da estrutura societária complexa do Espírito Santo há anos se preocupam com os vínculos existentes entre as empresas do conglomerado. Entre seus temores, está a possibilidade de que as empresas não financeiras do grupo – incluindo uma rede hoteleira e uma empresa imobiliária – usem o banco e seus clientes para captar fundos. Essas preocupações foram agravadas pelo fato de que Ricardo Salgado, diretor-presidente do Banco Espírito Santo e um membro da influente família Espírito Santo, também era membro do conselho de administração da Espírito Santo International.

Ele deixou o conselho no início deste ano e espera-se que renuncie à presidência do BES no fim do mês, depois que os acionistas aprovarem uma nova equipe de gestão liderada por pessoas de fora, a pedido do Banco de Portugal. Um porta-voz do banco disse que Salgado não estava disponível para comentários.

A Espírito Santo International vem dependendo pesadamente da venda de seus títulos de dívida para fundos de seus próprios bancos, segundo documentos financeiros analisados no ano passado pelo WSJ. Durante um período de 21 meses, ela emitiu um total de mais de 6 bilhões de euros (US$ 8,2 bilhões) em dívida de curto prazo para um dos seus próprios fundos de investimento. Embora a manobra tenha sido legal, acadêmicos de direito e contabilidade disseram no ano passado que a prática expõe os investidores a riscos elevados e levanta dúvidas sobre a saúde financeira do conglomerado.

Em novembro de 2013, o regulador do mercado de Portugal impôs um limite à quantia que qualquer fundo português pode investir numa empresa afiliada. A Espírito Santo International informou em dezembro que iria substituir o financiamento que vinha do fundo, principalmente por meio da emissão de dívida. Essa dívida foi vendida a clientes de private banking e à Portugal Telecom SGPS SA, entre outros.

A Portugal Telecom divulgou em junho que tinha 897 milhões de euros em dívida de uma unidade da Espírito Santo International. O Banco Espírito Santo é um grande acionista da Portugal Telecom. A Portugal Telecom está agora sob o fogo cruzado por causa do investimento. Ela está fechando uma fusão com a telefônica brasileira Oi SA, que informou na semana passada que não sabia sobre o investimento e solicitou mais informações. Analistas dizem que os termos do acordo podem ser revistos.

O montante da dívida pendente da Espírito Santo International é desconhecido porque a empresa não tem capital aberto. A Espírito Santo International possui 49% do Espírito Santo Financial Group, que por sua vez detém 25% do Banco Espírito Santo. Na semana passada, o Espírito Santo Financial Group informou que sua exposição ao conglomerado era de 2,35 bilhões de euros em 30 de junho. A empresa foi forçada a provisionar 700 milhões de euros em março para cobrir o pagamento de dívida a clientes de varejo de suas unidades bancárias.

Um porta-voz do Banco Espírito Santo não quis informar se esse dinheiro está sendo usado para pagar seus clientes. Ele disse que os clientes do banco estão sendo reembolsados na totalidade e sem atrasos. Havia mais de um ano que temores sobre a saúde de um banco europeu não sacudia os mercados.

Recentemente, depois de anos de crise, a confiança de investidores, bancos e reguladores na estabilidade do sistema financeiro do continente começou a subir. Mas o declínio acelerado do Espírito Santo e os danos colaterais em outros mercados europeus sugerem que as condições continuam precárias.

“Há temores de contágio”, diz Thomas Roth, operador de títulos governamentais da corretora Mitsubishi UFJ Securities (U.S.A.) Inc. “A teoria é que isso poderia levar a quebras bancárias e nos atirar de volta à recessão.” Mas muitos investidores e operadores disseram que não veem sinais de pânico nos mercados financeiros em todo o mundo.

Em meio à turbulência do mercado, algumas empresas do sul da Europa adiaram planos de emitir ações e títulos de dívida, entre elas o Banco Popular Español, a farmacêutica italiana Rottapharm SpA e a construtora espanhola Actividades de Construcción y Servicios SA. A queda pegou o mercado de surpresa. Entre julho de 2013 e o início deste mês, a bolsa portuguesa havia subido quase 30%, mas, nos últimos dez dias, o índice recuou quase 12%. Só esta semana, o Banco Espírito Santo perdeu 32% de seu valor de mercado. Ver mais sobre a crise no Espírito Santo nas páginas B5, C2 e C3

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