Por uma reforma tributária socialmente justa

O Sindicato dos Bancários de Brasília vê com preocupação o rumo tomado pela discussão em curso sobre reforma tributária. A proposta encaminhada pelo governo em fevereiro de 2008 ao Congresso Nacional fica no limite da reorganização do sistema tributário, para “eliminar distorções”, sem avançar na inversão do caráter regressivo da cobrança de tributos, pedra angular da má distribuição da renda e da injustiça social em nosso país.

Além de ser flagrante a limitação da proposta do governo, a intervenção do movimento social mostra-se inconsistente frente ao desafio de mudá-la. É necessário que as forças sociais organizadas se aglutinem por uma atuação mais contundente e eficaz em torno deste tema.

A análise de que a reforma tributária nos marcos do texto enviado ao Congresso não muda a estrutura do sistema tributário, de forma a torná-lo mais justo, está materializada em nota técnica divulgada recentemente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e também em estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

O Dieese é enfático ao afirmar que “o principal problema tributário brasileiro é sua regressividade”, porque “penaliza mais quem recebe menos”. A contramão do caminho da justiça social é alargada em números: a maior parte da arrecadação dos impostos e contribuições (58,7%) é indireta, incidindo sobre a produção e a comercialização de produtos e serviços e não sobre o patrimônio (3,4%) e a renda (25,2%).

Assim, “enquanto as famílias com rendimento de até dois salários mínimos gastam quase a metade de sua renda com o recolhimento de tributos, as famílias com rendimento superior a trinta salários mínimos gastam apenas 26,3% de sua renda para o mesmo fim”.

No que se refere à tributação sobre a renda, a nota do Dieese explicita também o viés regressivo e injusto da tabela de Imposto de Renda das pessoas físicas. Enquanto países que buscam a taxação progressiva têm tabelas de IR com limites de isenção maiores, alíquotas mais baixas para os menores salários e maior número de alíquotas, chegando a até 60% para as faixas de rendimento mais altas, o Brasil adota a lógica inversa: o limite de isenção é muito baixo (R$ 1.372,81) e há apenas duas alíquotas – a primeira muito alta, de 15% para a faixa salarial que vai de R$ 1.372,81 a R$ 2.743,25, e a segunda, de 27,5%, é muito baixa para os rendimentos mais altos. O Dieese lembra que, até 1985, havia no Brasil 13 faixas diferentes, com alíquotas que chegavam a 60% para os altos rendimentos.

Estudo do Ipea também aponta o problema da incidência maior de impostos sobre produtos e serviços e menor sobre a renda e a propriedade. O entendimento é de que, nos impostos indiretos, os pobres pagam, proporcionalmente, mais que os ricos.

O Ipea revela que no atual sistema tributário brasileiro, a cada R$ 2 ganhos por um cidadão de baixa renda, R$ 1 vai para o Estado, enquanto a cada R$ 3 obtidos por um rico, R$ 1 é repassado ao sistema público. “Infelizmente, a proposta em discussão no Congresso não promove a justiça tributária”, diz o presidente do instituto, Marcio Pochmann.

Para o Ipea, a justiça tributária passa pela redução dos impostos indiretos, como a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e pela elevação dos impostos diretos, que recaem sobre a renda e a propriedade.

Para compensar a perda de arrecadação com o fim da Cofins, o instituto sugere o aumento do Imposto de Renda, com taxação progressiva, e a criação de uma contribuição sobre as grandes fortunas.

O IR passaria das atuais duas faixas de alíquotas para 12 faixas. A primeira seria de 5% para quem tem renda entre R$ 1.257 e R$ 2 mil. A faixa intermediária seria de 27,5 para aqueles com rendimentos entre R$ 6.500 e R$ 8 mil. A última alíquota seria de 60%, para quem tem renda acima de R$ 50 mil. “As duas faixas existentes hoje – de 15% e 27,5% – são extremamente pesadas para os que ganham menos. No caso da de 27,5%, a injustiça é ainda mais gritante, porque incide tanto sobre quem ganha R$ 6 mil como sobre quem ganha R$ 60 mil, R$ 600 mil…”, explica André Nepomuceno, secretário-geral do Sindicato.

André participou em 17 de junho da primeira audiência pública sobre a proposta de reforma tributária em tramitação no Congresso. O debate foi promovido pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, com as presenças dos deputados Antônio Palocci (PT) e Sandro Mabel (PR), respectivamente, presidente e relator da Comissão Especial da Reforma Tributária. Em sua intervenção, o dirigente sindical bancário abordou a discrepância entre a tributação dos bancos e dos trabalhadores.

O destaque feito por André Nepomunceno obteve respaldo em dados apresentados pelo economista e assessor de Política Fiscal e Orçamentária do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Evilásio Salvador, um dos componentes da mesa da audiência pública. Salvador observou que, nos últimos 10 anos, o lucro do sistema financeiro cresceu três vezes mais que os tributos pagos pelo setor. “Somando Imposto de Renda retido na fonte e Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), o montante pago pelos trabalhadores é quatro vezes maior que o total de impostos pagos pelos bancos sobre a renda”, enfatiza o economista do Inesc.

Os diagnósticos do Dieese, do Ipea e de instituições como o Inesc devem servir à iniciativa das organizações do movimento sindical e popular na mobilização por mudanças socialmente justas no sistema tributário nacional. O Sindicato dos Bancários de Brasília cobra do Parlamento brasileiro o redirecionamento do foco dado até aqui ao debate da Reforma Tributária, de forma a torná-la instrumento da distribuição de renda e do desenvolvimento econômico e social do país.

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