Para reitora negra de universidade, compete à sociedade debater o racismo

A reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Nilma Gomes, entra para a história do país como a primeira mulher negra a comandar uma universidade federal. Empossada em abril, ela acredita que sua escolha para o cargo representa um avanço na luta em favor de políticas raciais no Brasil.

“É o reconhecimento de um grupo etnorracial, de brasileiros negros e negras, que há anos lutam por construção de espaços, por maior democracia, maior igualdade racial na sociedade brasileira”, disse Nilma em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

Apesar dos avanços conquistados ao longo de séculos, Nilma afirma que ainda existe uma grande desigualdade racial no país. A reitora defende que compete à sociedade debater o racismo e procurar maneiras de superá-lo.

A seguir, os principais trechos da entrevista com a reitora.

Agência Brasil – A senhora acredita que os negros estão conseguindo conquistar mais espaços no Brasil?

Nilma Gomes – Eu penso que sim, aos poucos. É um espaço conquistado com um histórico de muitas lutas, de forçar a sociedade brasileira a compreender que democracia e racismo não combinam. Se somos uma sociedade democrática, que caminha para lutas por igualdade e cidadania, não podemos deixar nenhum grupo fora dessas conquistas.

Acho que nós, negros e negras, estamos alcançando, de fato, justiça social ou igualdade na sociedade brasileira. Já temos espaço se compararmos com dez, vinte anos atrás, mas ainda acho que falta muito para que igualdade racial e oportunidades igualitárias se concretizem em nosso país.

ABr – Sobre o sistema de cotas no ensino superior, qual o seu posicionamento?

Nilma – Sou favorável às políticas de acesso com ações afirmativas de um modo geral. Não só para os negros, como para mulheres, população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), segmentos que reconhecemos com um histórico de desigualdade. Sobre as cotas, sou favorável para negros no mercado de trabalho e no serviço público.

Temos que mapear a presença de população negra nos mais diversos setores da sociedade. Hoje temos o Estatuto da Igualdade Racial, legislação de cotas nas universidades, o princípio da constitucionalidade das ações afirmativas aprovado por unanimidade no Supremo Tribunal Federal. Acho que a sociedade brasileira não precisa ter dúvidas sobre a necessidade ou não de implementar cotas em determinado setor, uma vez que tenha sido comprovada uma subrepresentatividade da população negra.

ABr – Como avalia a situação do negro no Brasil hoje, 125 anos após a abolição da escravidão?

Nilma – Ao pensarmos os 125 anos, não é possível dizermos que não temos avanços. Se falássemos que nenhum avanço foi conseguido, estaríamos indo contra a própria luta por igualdade de direitos da população negra e também de outros setores que são partícipes da luta antirracista. Os avanços aconteceram.

A minha avaliação é: quando olhamos educação, mercado de trabalho, acesso a saúde, os dados vão mostrando que algum tipo de mudança foi acontecendo ao longo dos anos. Mas ainda persiste uma grande desigualdade quando comparamos o segmento negro e o branco da população: a minha reflexão é que as práticas e políticas que temos ainda não atingiram aquilo que originou a luta anti-racista. O gap [distância] ainda é muito profundo e radical.

Temos avanços, sim, mas não podemos nos sentir confortáveis [do caminho que ainda falta percorrer]. Uma sociedade que se quer, de fato, republicana, tem de conversar sobre suas mazelas e pensar formas de superá-las.

ABr – A senhora conta no seu livro infantil Betina a história de uma avó que trança os cabelos da neta ao falar sobre seus ancestrais. Qual o resultado desse estudo?

Nilma – Essa foi minha tese de doutorado, sob a orientação do professor Kabengele Munanga, da USP [Universidade de São Paulo]. Para alguns dos resultados desse trabalho posso chamar a atenção. Um deles é a força da ancestralidade africana na nossa vivência como negros e negras brasileiros: foquei na questão do corpo e do cabelo.

Pude perceber que o penteado que, nós negras brasileiras, adotamos, alguns inspirados inclusive numa estética norte-americana e outros em estética africana, faz parte de um movimento que chamei na tese de uma circularidade cultural de elementos africanos. Temos uma dupla inseparável, que é corpo e cabelo. Quando há uma junção de corpo e cabelo ocorrem práticas racistas: uma coisa é uma pessoa negra com os cabelos alisados, uma pele mais clara, uma pessoa negra que, por miscigenação, tenha cabelos lisos.

Outra coisa é uma pessoa negra que tem a tez de pele mais escura. [A] esse tipo de combinação corpórea a sociedade brasileira faz leituras corporais. Dentro de um imaginário de uma sociedade que ainda é racista, corpo e cabelo são elementos simbólicos fortes. [Na minha tese, eu procurei] entender qual [foi] a força [que impulsionou) a miscigenação racial no Brasil.

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