Artigo da especialista, pesquisadora e médica do trabalho Margarida Barreto sobre o assédio moral foi publicado no site do Sindicato dos Bancários de Rondônia. Ela participou na quarta-feira, dia 18, do seminário de lançamento nacional “Menos Metas, Mais Saúde”, na sede da Contraf-CUT, em São Paulo.
Leia a íntegra do artigo:
A violência tem história, tem um contexto social
É impossível compreendermos a violência nas suas diferentes formas de manifestação sem refletirmos a sociedade. Digo isto porque a violência é produzida nesta sociedade, nesta “forma de sociedade”. Em qualquer de suas manifestações, ela se nutre de fatos políticos, econômicos e culturais. A gente fala de fenômenos que são complexos e que têm história. Com isto, eu quero dizer que, no caso específico do assédio moral, não colocamos este tipo de violência no campo do instinto do ser humano. Quando eu digo que a violência tem história, eu estou dizendo que ela é datada, tem uma direção, tem uma intenção claramente colocada. Ela tem um objetivo.
Então, por isto, reafirmo que é impossível compreendê-la fora do contexto social. Quando isolamos o social e não compreendemos essa dimensão do político e econômico, podemos, sem perceber, levar a violência para o campo da naturalização. Banalizamos a própria violência. Na medida em que banalizamos a violência ela passa a ser natural e, como natural, é da natureza, sempre existiu, por que combatê-la? Não é este o meu ponto de vista. Por isto insisto que ela não é da ordem do natural, que ela tem história e que é necessário compreender esse contexto socioeconômico para que nós possamos compreender porque a violência existe ou por que ela intensificou de tal forma nesses últimos anos.
Estas duas últimas décadas teve como eixo dominante a política econômica de privatização dos bens públicos, de expansão do capital privado e da reestruturação da economia do ponto de vista social. Para os trabalhadores houve quebras de direitos. Associado a isto, taxas de juros extorsivas, quebras de pequenas e médias empresas, megafusões… E cada vez mais, a renda se concentrando nas mãos de poucos. Por outro lado, cresceram a proporção de pessoas na pobreza, o desemprego e a miséria urbana.
Vale a pena a gente dizer que o desequilíbrio interno nos países dependentes economicamente sustenta o sistema internacional e ampara, até hoje, a dívida externa, permitindo a transferência de recursos dos nossos países para os países ricos. Por outro lado, há a transferência de riscos dos países ricos para os nossos países.
A seleção contém traços de eugenia, de neofascismo
O terceiro ponto que eu queria que vocês pensassem ao analisar o assédio moral é que a exploração dos trabalhadores intensificou de forma assustadora. Eu diria a vocês que, nestas duas últimas décadas, essa intensificação veio adquirindo grau de eficiência historicamente novo. Cada vez mais, as empresas públicas e privadas buscam a saúde perfeita. Nenhuma pessoa que esteja nesta platéia deve conhecer alguém adoecido que foi admitido dentro de uma empresa. Ou melhor, cada vez mais, as empresas procuram guerreiros dispostos a trabalhar, que não estejam doentes, que não questionem, não levem atestados… Enfim, guerreiro que coloque seu corpo e sua mente a serviço da empresa.
A saúde perfeita começa no próprio processo seletivo. Um trabalhador, uma trabalhadora que procura certa empresa, antes disso muitas vezes já existe aquela clássica procura pela aparência para a selação. O que significa aparência? Deve ser branco, ter olhos claros – de preferência – cabelos lisos, se mulher: alta, bonita, gostosa, enfim… As características que não são ditas, mas estão na escolha. Quando ela chega à própria entrevista, que pode ser com assistente social ou psicóloga, aumenta a malha fina. Ela pode ser excluída porque usa decote muito amplo, porque tem voz antipática, usa um perfume que incomoda, faz muito gesto, mora longe, não agradou no tipo de respostas, porque não tem carro, não tem celular. Uma série de pré-requisitos que, muitas vezes não têm nada a ver com o que ela vai desempenhar na empresa, podem excluí-la do ambiente de trabalho.
Passando por este primeiro momento da seleção, ela vai para o segundo momento, mais crítico, que é a passagem com o médico. Aí se vasculham os mínimos detalhes para ver se essa pessoa realmente tem saúde perfeita. Chegam ao ponto de menosprezar trabalhadores de colocar polígrafos – detectores de mentira – durante o processo de seleção, como ocorria no ano passado com certa empresa. Há empresa que nesse momento do pente fino deixa a pessoa isolada numa sala sem saber que está sendo filmada. A depender da reação ou da postura dela naquela sala, enquanto fica sozinha, ela pode ser eliminada. Fitando certas características do processo de selação, eu diria a vocês que ele contém traços de eugenia. Melhor dizendo, de neofascismo. Não se procura um trabalhador pela sua competência, pela sua qualidade, pela sua excelência somente. Mas procura-se trabalhador com as características de saudável, mas de tal forma que em nenhum momento possa quebrar a produtividade da empresa.
O assédio é o ato de violência moral que se dá repetetivamente
Entretanto, essas mesmas pessoas escolhidas e que só entram com saúde perfeita, só tem o “apto” para trabalhar se tem saúde perfeita, contraditoriamente adquire um novo “apto”, para sair, se adoece em conseqüência do ambiente e das condições de trabalho. Então, adoecer em decorrência do ambiente de trabalho é quase como adquirir um passaporte para a demissão. É nesse ambiente rapidamente citado que o assédio moral ocorre.
O assédio moral nós temos toda vez que uma pessoa se comporta a um outro, no caso seu subordinado, humilhando, desqualificando, desmoralizando publicamente ou não, de uma forma “repetitiva”. Prestem bem atenção para esta palavra porque aí está a diferença entre qualquer ato de violência e o assédio moral, a repetitividade. É quando o ato de violência existe hoje e vai se repetindo. Por que essa repetição? Lembra que eu falei no início que a violência tem uma intenção. Qual é a minha intenção quando eu humilho o outro de forma tão repetitiva? Forçá-lo a desistir do emprego. Isto é o fundamental. Com isto quero dizer que não podemos concordar, não podemos testemunhar um ato de violência e dizer “Ah! Foi só uma vez, não tem problema”. Não. Um ato é inaugural de todo um processo que poderá se transformar no próprio assédio, que é a repetição desses atos de violência.
Na medida em que esses atos vão se dando, todos os colegas passam a ter medo de ser a próxima vítima, de se humilhado, de perder o emprego ao defender um colega que está sendo humilhado. O ambiente de trabalho passa a ser dominado pelo medo do coletivo, que leva todos a fazerem o pacto do silêncio. Se antes esse ambiente era marcado pela amizade, esse calar significa que os laços fraternos já não existem, passam a ser fragmentados, rompidos, levando à degradação das relações de trabalho. O que é isto: “Eu não confio em mais ninguém. Eu só quero saber de mim. Não me importa o que ele está sofrendo. Ele também é culpado”. Isto se acentua nos últimos anos com a competitividade, pela busca da meta da produção, não importa se é no setor público ou privado. Numa situação dessas, o individualismo se acirra.
A gente poderia dizer que, nesta condição de atos de violência que se repetem, o assédio moral está dentro do campo da violação dos direitos humanos porque atinge a identidade do trabalhador e a sua dignidade. Dois aspectos fundamentais que vão desestruturando, devastando a sua vida de tal forma que atinge também a sua família.
O assédio moral pode ser política da empresa
Não existe só o assédio individualizado contra uma pessoa. Ele pode se caracterizar como política institucional de violência da empresa. Para vocês compreenderem melhor, é aquela empresa – setor público – que faz um Programa de Demissão Incentivada ou Voluntária. Todo mundo está com medo de ser demitido. Antes de entrar na lista de demissão – voluntária -, o trabalhador associo algumas vantagens, como o tempo de trabalho naquela empresa e considera “melhor sair com alguma coisa do que de mãos vazias” e termina aderindo ao programa “voluntariamente”. Isto é uma forma de política institucional de violência. Se a dispensa é voluntária, não precisa ter o programa. Por que eu tenho que incentivar para a pessoa se demitir?
Um outro exemplo de política institucional de violência são as premiações negativas. O exemplo do setor bancário é clássico. Aquele trabalhador que não atingiu a meta recebe de presente um abacaxi, um macaco, um cacho de banana. Nestes presentes já está a mensagem da empresa dizendo o que ele é para a empresa. Mas eu vou dar o exemplo que aconteceu recentemente numa empresa de bebida de Salvador e que criou uma jurisprudência muito importante para o país neste caso.
Na empresa de bebidas, a maior parte era homens e as mulheres estavam mais no setor administrativo. Quando os homens não atingiam a meta, a quantidade estipulada para vender o produto, aqueles “incompetentes” subiam no palco, diante dos outros trabalhadores na platéia, forçados a vestir saia. A violência era bastante criativa. Os homens brancos tinham que segurar um pênis preto e os homens negros, um pênis branco. As mulheres que também não atingiam a meta eram oferecidas para programa sexual com clientes, ou com trabalhadores “excelentes”, que atingiram a meta. Vocês vejam a jogada feita entre os próprios colegas, o incentivo à disputa e à discordância. Aquelas mulheres que não aceitavam ir para os programas sexuais eram queimadas com cigarro. Salvador, Brasil, 2003. Está no site (www.assediomoral.org) se vocês quiserem ver.
Nós estamos com um caso recente de um banco que fazia revista nas pessoas que trabalhavam com valores. Até porque o trabalhador não é de confiança para a empresa. Ele pode roubar. Como o banco fazia: aqueles trabalhadores que estavam num setor específico tinham que passar nus num corredor que tinha espelhos de um lado e de outro, sendo filmados para ver se eles estavam levando alguma coisa não sei onde. Um trabalhador se recusou a fazer isto. A empresa fez um BO (Boletim de Ocorrência) dizendo que ele se negou porque roubou alguma coisa do banco. Ele foi a frente, com muita dor, e ganhou o processo.
Estes são exemplos da violência enquanto política institucional da empresa. É algo que ocorre com o coletivo e que tem uma repetitividade, também, anual, semestral, dependendo da meta. Está relacionada com a meta, com o tempo do projeto que tem que ser cumprido.
A violência indivudual tem características próprias
A violência individual normalmente tem algumas características comuns. Na maior parte das vezes é do chefe para os seus subordinados. É uma violência que tem uma verticalização, de cima para baixo. Ela pressupõe uma hierarquia assimétrica. “Eu mando e você obedece”. “Quem tem juízo não questiona. Faça!” Mas outra característica é o abuso do poder, o autoritarismo, uma desmesura do poder. “Eu não meço. Eu faço o que quero.” Independente dele ser um chefe intermediário ou um alto executivo.
Mas também há aquela violência que ocorre entre colegas de trabalho. Em menor proporção, mas existe. Em que condições? Um ambiente em que o chefe pode fazer uma política sedutora. Às vezes não é no processo de seleção, como foi colocado aqui. Pode ser exatamente no segundo momento, quando ele chama a profissional que sobe de “minha queridinha”. Pode ser muito sedutor, inclusive. Este é o que mais dá trabalho para a gente descobrir. Quem sofre a violência percebe que aquilo incomoda, mas quem está na frente não. “Mas ele gosta tanto de você, cuida tanto de você, defende tanto você”. É um tipo de sedução que te envolve de tal forma que, para quem está do lado, é difícil dizer “Isto é violência”. Essa bondade perversa, que tem uma intenção, é o tipo de violência mais difícil de identificar.
O assédio também pode ocorrer de baixo para cima, quando o coletivo se une e resolve tomar uma posição perante a chefia. Embora seja raro nesse mundo do trabalho, que está fragmentado, em que ninguém confia em ninguém e não existe a solidariedade, fica difícil essa inversão do assédio. Eu só vi em uma empresa. Os trabalhadores se uniram e passaram a assediar o próprio chefe, que teve um infarto e morreu na própria empresa. Isso é para vocês terem a noção da força de um coletivo.
O assédio atinge os trabalhadores mais conscientes
Normalmente quem sofre o assédio não é o trabalhador que faz corpo mole. É exatamente o contrário. É aquela pessoa que tem identificação enorme com a empresa, um amor, quase. É aquela pessoa que trabalha intensamente e quer o melhor para a empresa. Mas também é aquela pessoa que questiona, que é crítica, não aceita de forma passiva aquilo que é imposto, não aceita ficar até 10 ou 11 horas da noite trabalhando. Este incomoda, quebra a harmonia da empresa e deve ser eliminado, até porque passa a ser um péssimo exemplo e pode contagiar o coletivo.
Um outro grupo que incomoda muito as empresas – pasmem -, são os solidários. Aqueles que ouvem o outro e não levam o que escutou para cima, para a chefia, ele é um perigo. Ele pode reunir o grupo e, a partir daí, fazer um movimento grevista.
As mulheres são mais assediadas do que os homens, principalmente as negras. Nos estados e regiões onde predomina a população negra o assédio moral é disseminado de forma violenta. Também aquelas pessoas que adoeceram ou se acidentaram em conseqüência do trabalho. Essas pessoas, principalmente aquelas que conseguiram a CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho e o reconhecimento do nexo causal, quando retornam à empresa elas têm estabilidade de um ano. O que a empresa faz quando as recebe? Coloca separada dos sadios, em ambientes que muitas vezes é conhecido de forma pejorativa: “aquário de peixe podre, mãos lerdas, mãos podres, INSS, INPS”, que muitas vezes o próprio trabalhador se sente tão mal e não suporta aquele ambiente de rejeição. Ele pede um acordo e abre mão da estabilidade.
Este seria o perfil de uma população em risco de ser assediada. Repetindo: os acidentados e doentes do trabalho, as mulheres, entre as mulheres, as negras, as pessoas que são criativas e questionadoras, mas também aqueles que têm um espírito de Justiça e de solidariedade muito grande.
Neste grupo pode entrar o dirigente que não está afastado da empresa, que faz o trabalho do sindicato e o da empresa. O dirigente que é combativo é o foco. “Tem que ser desmoralizado. Tudo que ele e o sindicato fazem é desqualificado”.. Mas aquele dirigente que entra, toma cafezinho, bate papo, tem uma boa relação com o patrão é sempre bem vindo e nunca vai sofrer o assédio moral. Melhor dizendo: os dirigentes sindicais que são candidatos a sofrer o assédio moral são aqueles que continuam com espírito de combatitividade, de indignação e de ação junto aos trabalhadores.
As estratégias de assédio moral podem variar
Vocês também conhecem o conjunto de estratégias que compõem o assédio moral. Pode variar desde um olhar, um gesto, um sorriso de ironia, fofoca, maledicência que vai se espalhando, tomando conta do coletivo. Por exemplo, hoje pela manhã foi contada aqui uma história de um engenheiro que foi tirado da sua função para limpar parafuso. “Eu mudo de função, rebaixo, despromovo aquela pessoa.” São castigos, como colocar um advogado para limpar 30 mil presilhas e depois do trabalho feito elas foram jogadas fora. Você pergunta como uma pessoa de nível universitário se submete a isto. Se submete. Ou então eu coloco a pessoa em função acima da capacidade dela, para mostrar que ela não sabe. Há a necessidade de mostrar ao outro que ele é um inútil à empresa. Posso dar instruções confusas: “Faça isto. Não, você não está entendendo. Eu queria que você fizesse aquilo”.
Enfim, eu crio um ambiente de trabalho de terror, em que as palavras, os gestos, os risos, as condutas, comportamentos, passam a ser a grande arma daquela batalha invisível que se dá dentro do mundo do trabalho e, de alguma forma, mesmo aquele que testemunha, também adoece. Por isto a gente fala da degradação do ambiente de trabalho.
Não sei porque, no nosso país é muito comum situações que talvez caracterizem esta sociedade autoritária que nós vivemos: gritar, bater a porta na cara, esmurrar a mesa, quando se está falando com o outro – isto dentro de um processo de assédio moral, da violência continuada.
Bem, então, o que é comum no assédio, reafirmo, é a repetitividade desses atos de violência. Eu diria a vocês uma coisa importantíssima. O dano moral só precisa um ato de violência. Não precisa hierarquia. O assédio, são vários danos que ele contêm. Eu tenho um dano à minha saúde física, à minha saúde mental, eu tenho um dano intelectual, moral, às mais diferentes dimensões.
Além da repetitividade, o assédio se dá num tempo, tem uma duração. Depois, você tem uma estratégia que se repete de país para país, que eu vou resumir. Primeiro eu isolo, eu ignoro, não cumprimento: não existe para mim; depois eu desqualifico: nada que faz serve, tudo está errado; então eu desmoralizo: está com problemas na família, tem problemas com os filhos, está trazendo os problemas para aqui, dorme com todo mundo, eu vou desmoralizando do ponto vista pessoal. Além disso, a outra característica da degradação das condições de trabalho é que a pessoa vai se isolando. Tanto que muitos dizem que o assédio moral leva à doença da solidão. Eu, num primeiro momento digo: “Por que ele está fazendo isto comigo?” Depois eu vou me culpando: “Não estou fazendo a coisa bem feita, o problema é meu”. Passo a trabalhar mais e, cada vez mais, eu sou isolado até que desisto do emprego.
Eu quero que vocês estejam bem atentos para quem sustenta o assédio moral. A humilhação e, junto a ela, outras emoções que sustentam: a mentira é uma delas, uma ação-emoção, a corrupção e a cooptação. E muitas vezes nós temos visto a tentativa de corromper o trabalhador naqueles cargos executivos. As empresas hoje utilizam com os executivos, não só, o que eu venho chamando de afastamento forçado. Com isto, a empresa vai jogando que ele vai aceitar ganhar um bom dinheiro. Eu tenho o caso de trabalhador que mensalmente tinha na sua conta R$ 25 mil por mês e, conseqüentemente, não reclamava. Só que depois de três meses ninguém aguenta ficar em casa, ganhando dinheiro sem fazer nada. O trabalhador não é corrupto, não é o ladrão como a empresa avalia que seja.
Há na questão do assédio moral, também a vergonha. Ninguém tem orgulho de ser humilhado. Ninguém chega em casa contando: “hoje eu fui humilhado na empresa”.
O mundo do trabalho tem produzido depressão nos homens
Dentro deste ambiente degradado pela violência ninguém pode se sentir feliz. E vem os aborrecimentos. Quem sofre o assédio moral tem a desestruturação da sua vida, da sua saúde, tanto do ponto de vista físico como mental. Se pegarmos o que acontece na saúde, as alterações vão desde a diminuição da memória à falta de concentração, dores generalizadas, problemas gastro-intestinais. Mas o que mais impressiona são as novas doenças que começam a ocorrer neste mundo do trabalho, que são os transtornos mentais. Dos casos de estresse, 47% estão relacionados com este ambiente de trabalho, de pressão e opressão constante: depressão. Depressão esta que cada vez mais a gente tem visto nos homens, principalmente. Diferente do passado, quando a gente dizia que a depressão é característica da mulher, o mundo do trabalho tem produzido a depressão nos homens, seja pela demissão forçada ou mesmo pelo fato de estar desempregado.
Mas também a gente pode ter outros problemas, acentuando ainda o estresse e a própria depressão, que é o caroche, a morte súbita no trabalho. Eu tive o caso recente de um gerente após dois dias de trabalho intenso, saindo do banco às duas horas da manhã, que dois dias depois teve um infarto tomando banho em casa. Muitas vezes essa morte sequer é associada com o que ocorreu no ambiente de trabalho.
A violência leva ao aumento do uso de drogas, principalmente o álcool
Quem sofre o assédio reproduz essa violência em outros espaços. Em casa, com o marido ou com a esposa e com os filhos. O assédio leva ao isolamento, não só dentro da empresa, mas dos meus amigos. Eu tenho dificuldade de fazer novas amizades, de confiar nas pessoas. Vou contar o que para eles? Que fui humilhado? A violência leva ao aumento do uso de drogas, principalmente o álcool, com um detalhe: nas mulheres também.
Nas mulheres esse álcool entra muitas vezes como uma forma não só de esquecer a violência sofrida, mas para conseguir dormir à noite. Quando alguém é humilhado, volta para casa destruído, pensando na resposta que não deu, entra num processo produtivo da loucura. Só pensa na humilhação sofrida.
Se pensar a relação de gênero, a gente vê características
importantes no que ocorre com o homem e o que ocorre com a mulher que sofre o assédio moral. Nós, mulheres, somos consideradas muito sensíveis, faladeiras, muito emocionais. Isto nos salva. Nós encontramos alguém no ponto de ônibus, nós contamos. Se o outro der chance, nós contamos a vida, sem nenhum pudor. Nós não somos tagarelas. Temos maior capacidade de lidar com nossas emoções.
Os homens não. Eles vivem numa sociedade em que o homem tem que ser macho, duro, 24 horas, na cama e fora da cama. É pesado. Homem que é homem não chora. Essa cultura criada inclusive pelo próprio homem e reproduzida por nós, mulheres, quando educamos nossos filhos, faz com que este homem não tenha a resistência suficiente para suportar o assédio moral. Todos os homens que sofreram violência no ambiente de trabalho pensaram em algum momento em acabar com a própria vida. O sentimento de vingança é muito forte e, na medida em que sabe que, ao se realizar, isto significa a perda do emprego, os pensamentos repetitivos e a impotência diante do ato de violência o fazem pensar no suicídio como forma de manter a sua dignidade. E 18% dos homens que sofrem assédio moral tentam de fato suicídio.
Estamos diante de algo que é uma inquietude silenciosa eu sofro calado, sem falar para o outro aquilo que está me acontecendo. Então, eu reproduzo um mal-estar, em que minha estima vai lá para o sub-solo e, por isto, a empresa quer me descartar. O que está no sub-texto, que não é dito, é esta sensação. Mas, pior, estes atos de violência geram a morte. Quem sofre o assédio moral não sofre naquele dia específico, mas é como se todas as agressões e humilhações sofridas fazem com que a gente vá perdendo um pouquinho da gente a cada dia. É quando a gente volta para casa de cabeça baixa e um grito ou uma brincadeira de um filho já faz a gente brigar. A gente está se perdendo, no sentido da humanidade.
A violência só se mantém quando nós não damos visibilidade
Vejo como grande preocupação de vocês “o que fazer?” Poderia responder a vocês como no verso “Caminhante. Não há caminho. O caminho se faz ao caminhar…” Entretanto eu queria que vocês tivessem em mente que a violência só se mantêm quando nós não damos visibilidade ao ato da violência e não pensamos estratégias que atinja o que está causando a violência. Mas eu não posso fazer isto sozinho. A resistência tem essas duas dimensões: a individual e a coletiva. Quem sofre a violência está destruído, não tem forças muitas vezes para resistir sozinho. Ele precisa do outro e este outro é a dimensão do coletivo.
Esse outro pode ter vários momentos onde eu posso me manifestar. Tem o sindicato, as Delegacias Regionais do Trabalho, as comissões de Direitos Humanos nas Assembléias estaduais, nas Câmaras, na OAB. Ao Ministério Público eu posso fazer denúncia do que ocorre no meu ambiente de trabalho, assegurando que meu nome não será citado na denúncia. Está havendo um momento no Ministério Público para se abrir esta questão das denúncias em relação ao ambiente de trabalho.
Finalmente, eu queria lembrar que não dá para pensar o assédio moral sem trazer para a ordem do dia a compreensão da política de gestão daquela escola, daquela empresa, daquele hospital. Isto envolve a tecnologia, a organização do trabalho, sua execução, horário, regime salarial. Ela deverá estar organizada de tal forma que não exponha os trabalhadores e trabalhadoras a efeitos físicos, mentais adversos, e que lhes garanta as possibilidades de exercer seus direitos e assegurar as condições de trabalho necessárias à sua saúde e segurança. Neste momento a gente está falando de trabalho seguro, que tanto a OIT (Organização Internacional do Trabalho) vem falando em relação aos diferentes países que assinam suas normas e convenções.
E, por último, diria que é necessário quebrar o pacto do silêncio. Quando testemunhamos atos de violência, não podemos nos calar. E eu trago aqui uma dimensão do Freud. Ele dizia que se não nos rebelamos contra as atrocidades do outro, permitimos que a crueldade permaneça, que a mentira prospere e que esses atos se banalizem. Quando nós testemunhamos um ato de violência com um colega e nos calamos, estamos sendo cúmplices do tirano.