Para ex-diretor da ANS, é preciso regular os planos de saúde no Brasil

A lei geral que regula os planos de saúde é a 9656, de 1998, mas a novidade da legislação é a Resolução Normativa (RN) 195 e posteriores alterações, editada pela Agência Nacional de Saúde (ANS) em julho do ano passado. O objetivo da RN é definir em detalhes quais são as regras que regem a prestação do serviço de saúde suplementar.

Segundo Eduardo Sales, procurador federal e ex-diretor de Fiscalização da ANS, a grande novidade da RN 195 foi a melhor definição e regulação dos planos coletivos. “Estes planos careciam de regulação mais efetiva, conforme autoriza a lei 9656, que é anterior à criação da agência, em 2000”, informa.

Sales, que foi um dos formuladores da RN 195, destaca que a legislação do setor veio para coibir abusos. “Em meados da década de 80 e até 98 as empresas excluíam coberturas, rescindiam contratos unilateralmente, reajustavam o valor das mensalidades a seu bel prazer, estabeleciam cláusulas que nem os economistas e contadores entendiam, faziam seleção de risco. A lei trouxe estabilidade ao setor”, lembra o procurador. A partir de 98 as empresas foram proibidas de rescindir unilateralmente os contratos, exceto por fraude ou falta de pagamento, mesmo assim com notificação prévia do consumidor. A lei também estabeleceu um rol mínimo de procedimentos a serem cobertos. “Este rol mínimo, apesar do nome, é bastante amplo, e vem sendo atualizado. Esta relação de procedimentos deve estar estabelecida nos contratos dos planos”, complementa Sales.

Outra novidade na legislação é a RN 191, de maio de 2009, que criou o Fundo Garantidor da Saúde Suplementar – FGS. O fundo é constituído por contribuições pagas pelas operadoras de planos de saúde e seu objetivo é socorrer as empresas do setor que enfrentarem problemas financeiros. Para os usuários, isso garante que não haja suspensão na prestação dos serviços se a empresa entrar em crise.

Público X privado

Segundo dados da ANS, o Rio de Janeiro e São Paulo são os estados com maior cobertura de planos de saúde, com mais de 30% da população entre os usuários do serviço. No Espírito Santo, Minas Gerais e os estados do Sul, a cobertura está entre 10% e 20%. Com um sistema de saúde pública universal e que serve de paradigma para todo o mundo – apesar de todas as deficiências – cria-se a distorção: como todos os brasileiros têm direito ao atendimento médico e hospitalar nas unidades públicas, o plano de saúde seria um gasto absurdo.

“O constituinte originário garantiu a universalidade do acesso à saúde pública, mas também determinou que o serviço pode ser prestado por entes privados, determinando esta prestação como atividade econômica”, ressalta Eduardo Sales. “A maioria dos usuários de planos de saúde decide pagar pelo serviço por ter certeza que vai encontrar o médico no consultório e não vai ter que chegar de madrugada na fila de um hospital para ser atendido”, informa.

A coexistência de duas redes – a privada e a pública – traz alguns problemas. “Por exemplo, quando o SUS credencia um hospital privado para prestar um determinado atendimento, cria-se o que se chama de “hospital de duas portas”, que trata de maneira diferenciada o paciente do SUS e o particular, por exemplo, com relação aos serviços de hotelaria”, cita Sales.

Há também a questão do custo que é repassado ao Estado quando um usuário de plano de saúde sofre um acidente e é socorrido pelo serviço de ambulância do estado ou do município e levado para uma unidade pública para o primeiro atendimento. “Os hospitais públicos têm melhores condições de prestar este socorro emergencial. Daí, se o paciente estiver em condições clínicas, é transferido para uma unidade privada credenciada do seu plano”, esclarece o procurador.

Nestes casos, o Estado pode enviar à operadora do plano de saúde do paciente um aviso de internação e reivindicar o ressarcimento das despesas com o atendimento. “As operadoras contratam grandes bancas de advocacia e sustentam a inconstitucionalidade do ressarcimento ao SUS. Recentemente, o STJ decidiu que o ressarcimento ao SUS trata-se de mera recomposição patrimonial do Estado.

No âmbito do STF, aguarda-se o julgamento da ADI 1931 MC/DF, cujo então Relator, Ministro Maurício Correa, indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do art. 32 da Lei nº9656/98 – que dispõe sobre o ressarcimento ao SUS – , afirmando tratar-se de obrigação civil e não tributária. Hoje, a orientação é que a ANS agilize e aperfeiçoe a cobrança do ressarcimento e priorize os procedimentos de maior valor”, explica Sales.

No âmbito do STF, aguarda-se o julgamento da ADI 1931 MC/DF, cujo então Relator, Ministro Maurício Correa, indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do art. 32 da Lei nº9656/98 – que dispõe sobre o ressarcimento ao SUS – , afirmando tratar-se de obrigação civil e não tributária.

Dor no bolso

Os reajustes dos planos de saúde, que são a dor de cabeça da classe média, agora têm regras rígidas. Há dois tipos de aumento: o anual e aquele que acontece por mudança de faixa etária do usuário. Neste último caso, uma importante mudança foi introduzida pelo Estatuto do Idoso, de 2003: o último reajuste por mudança de faixa etária se dá quando o usuário completa 59 anos. Para os consumidores, foi um grande avanço, mas as operadoras ainda não se conformaram.

Segundo Eduardo Sales, a expectativa das empresas é que os mais jovens, que pouco usam os serviços, sustentem os planos e viabilizem a prestação do serviço para os mais velhos, que naturalmente necessitam de mais procedimentos. Mas as mudanças no perfil demográfico da população e particularidades dos hábitos de consumo estão desequilibrando as contas.

“Agora um jovem casal não contrata o plano de saúde imediatamente, só vai fazer isso mais tarde, quando decide ter filhos. E, por outro lado, a população está envelhecendo, a pirâmide demográfica não tem mais a base larga como antes”, explica o procurador. Mas, observando o perfil dos bancários, as operadoras devem considerar um bom negócio oferecer serviços aos bancos. Como a média de idade dos trabalhadores do setor está diminuindo, o equilíbrio financeiro da operadora pode ser recuperado através de um contrato com empresa do ramo financeiro.

A co-participação, que tem afligido os bancários, deve ser motivo de atenção. “Nos planos coletivos empresariais, recomendamos que o trabalhador contribua. Isso garante a cobertura do plano por um período em caso de demissão imotivada e também a permanência do plano após a aposentadoria se o trabalhador contribuiu por mais de dez anos”, informa Sales. “A única precaução é que o contrato determine um teto para a co-participação para que o usuário não se veja impedido de realizar um procedimento por não poder pagar”, ressalta o especialista.

Para saber mais

Nos últimos anos, a ANS vem concentrando esforços na capacitação e no fornecimento de informações técnicas à sociedade. Por exemplo, as centrais sindicais fizeram convênios com a agência, que também fomentou a fundação do Fórum do Trabalhador na Saúde Suplementar.

A agência também estimulou o movimento sindical a valorizar sua participação na Câmara de Saúde Suplementar, na qual as centrais têm assento. Foram realizados seminários para qualificar as lideranças e capacitá-las para as negociações. “Em geral, negocia-se mal porque não se sabe sobre o que está se negociando. Isso requer um conhecimento técnico muito específico e estamos capacitando os sindicalistas neste sentido”, revela Sales.

Com esta qualificação oferecida pela ANS, as centrais sindicais podem oferecer informações para suas entidades filiadas. Mas a própria ANS também está disponível para esclarecer as dúvidas dos usuários de planos de saúde e para receber denúncias. O telefone é 0800 701 9656 e o endereço do site da agência é www.ans.gov.br

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