ODED GRAJEW*
A revolta no mundo árabe por mais democracia e liberdade não foi surpresa para quem acompanha os encontros do processo Fórum Social Mundial
Foi realizada entre os dias 6 e 11 de fevereiro, em Dakar, no Senegal, com representantes de 123 países e 1.205 organizações, mais uma edição unificada do Fórum Social Mundial. Os encontros unificados se realizam a cada dois anos e, entre um fórum centralizado e outro, são realizados diversos fóruns locais, regionais, nacionais, continentais e temáticos.
Como acontece desde o lançamento do Fórum Social Mundial, em 2001, em Porto Alegre, a grande mídia internacional e brasileira, salvo poucas e honrosas exceções, não cobriu ou cobriu de forma superficial também esta edição.
Apesar de os fóruns contarem com a participação de milhares de pessoas, lideranças sociais e organizações e promoverem inúmeros eventos, como debates, oficinas, assembleias e encontros de articulação política e planejamento de futuras ações, a cobertura da mídia se concentra geralmente em aspectos frívolos e sensacionalistas.
Paralelamente, o Fórum Econômico Mundial de Davos (onde nem a crise financeira mundial foi prevista) tem recebido uma ampla cobertura desta mesma mídia.
Os principais líderes mundiais, a grande mídia e os participantes de Davos (entre os quais Saif al Islam, filho de Gaddafi) confessaram que foram pegos totalmente de surpresa pelos recentes acontecimentos no mundo árabe.
Isso apesar dos fantásticos recursos investidos na busca de informações pela mídia, pelos governos e pelas empresas nos mais diversos serviços de “inteligência” e análises! O jornalista Clóvis Rossi escreveu em sua coluna de 27 de fevereiro, nesta Folha: “Se alguém disser que previu a onda de revoltas que começou em dezembro na Tunísia ou está mentindo ou fez em voz tão baixa que ninguém ouviu”.
Até hoje, muitos jornalistas e analistas políticos, por falta de interesse ou por preconceito ideológico, não perceberam a novidade política representada pelo Fórum Social e o que ele produz de concreto.
Não entenderam que o processo engendrado pelo Fórum Social Mundial abre espaço para que organizações sociais das mais variadas regiões e áreas (social, ambiental, direitos humanos, democracia etc.) se encontrem, organizem livremente suas atividades, se aglutinem em torno de interesses comuns, apresentem propostas, se articulem em torno delas e formem redes locais, nacionais e globais, que fortalecem seu poder político para atingir seus objetivos.
O processo do Fórum potencializa o poder da sociedade civil nas suas ações e mobilizações.
A revolta no mundo árabe por mais democracia e liberdade não foi nenhuma surpresa para quem acompanha os diversos encontros da sociedade civil e do processo Fórum Social Mundial. Várias organizações desses países têm participado ativamente nos diversos fóruns.
Só em 2010 foram realizados, no âmbito do processo do Fórum Social Mundial, 55 fóruns sociais pelo mundo, dos quais oito no Egito e em países do norte da África.
Não seria difícil, para qualquer observador despido de preconceitos ideológicos, com vontade de conhecer novos processos políticos, que se dispõe humildemente a rever conceitos e métodos de trabalho, perceber que é fundamental acompanhar menos superficialmente os processos da sociedade civil (e o Fórum Social Mundial é um processo importante, entre vários outros) e que as diversas ações e mobilizações que acontecem hoje no mundo, como aquelas no mundo árabe, não acontecem por acaso.
*ODED GRAJEW, 65, empresário, é coordenador-geral da secretaria-executiva da Rede Nossa São Paulo, fundador e presidente emérito do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, idealizador do Fórum Social Mundial, idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq (1990-1998). Foi assessor especial do presidente da República (2003).