Valor Econômico
Adriana Cotias
A nova regulamentação do correspondente bancário, aprovada na semana passada pelo governo, fechou o cerco para a informalidade dos chamados “pastinhas”, agentes que se disseminaram pelo mercado de 2004 para cá na mesma velocidade do crédito consignado e hoje representam cerca de 250 mil pessoas.
Para dar uma ideia da relevância que esse personagem desconhecido ganhou na engrenagem bancária, basta dizer que hoje no país há cerca de 470 mil bancários.
Ao atualizar o marco legal do canal complementar de atendimento bancário, a resolução 3.954 do Banco Central (BC) disciplinou que a oferta de operações de crédito e arrendamento mercantil seja executada por um empregado diretamente vinculado ao estabelecimento que presta serviços à instituição financeira, embora permita o chamado sub-estabelecimento (terceirização). Só que essa responsabilidade poderá ser transferida em apenas um nível e também deve ser amarrada por um contrato.
Não será o fim dos pastinhas, diz Renato Oliva, presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que representa os bancos de pequeno e médio porte, os maiores adeptos dos pastinhas por causa da especialização de alguns no segmento de crédito consignado.
“Mas o correspondente fica obrigado a ter um controle forte sobre a sua força de vendas e isso tem de ser demonstrado para a instituição financeira que o contratou e que, no fim das contas, é responsável pelas operações”, diz.
“Esses agentes de crédito são úteis para o país porque são eles que acabam entrando em contato com pessoas que não têm a possibilidade de acessar a agência bancária.” De acordo com Oliva, o vínculo pode se dar por uma relação trabalhista ou por um contrato de prestação de serviços autônomos.
No entendimento de um advogado que acompanhou as discussões sobre as mudanças na regulamentação, na prática isso significa que os pastinhas vão ter que se estabelecer como pessoas jurídicas. Quem não se enquadrar, tende a ser alijado do mercado. Aqueles que quiserem se manter no sistema como operadores de crédito vão ter que arcar com o ônus de estar legalmente constituídos.
Nessa nova rede, os informais que recebem hoje uma fração do comissionamento cheio do correspondente de fato teriam que ser, em tese, melhor remunerados, com um possível impacto sobre os custos das instituições financeiras. Os bancos terão um ano para se adequar.
Nos últimos 18 meses, porém, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) já vinha trabalhando para promover alguma formalização desse tipo de mão de obra, diz Frederico Queiroz Filho, diretor setorial de correspondente bancário da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “Ao exigir contrato, a regra só dá mais transparência às relações, isso reduz o apetite de determinado parceiros de formar redes não controladas, é um efeito moralizador.”
Nas propostas de crédito e arrendamento mercantil encaminhadas aos bancos, o profissional que prestou o atendimento também terá de ser identificado com o número do CPF. Além disso, terá de ser capacitado e certificado – no caso de um estabelecimento comercial com vários empregados, basta um deles contar com o registro, sendo ele o responsável pela qualidade do cadastro apresentado.
Embora a nova redação dada à norma do correspondente conceitue melhor qual o papel do canal alternativo de atendimento, que se trata de um contrato comercial e que não se confunde com a atividade bancária, o risco trabalhista não desaparece de todo, observa Queiroz Filho. “Administrar riscos faz parte do dia a dia de qualquer instituição financeira.” Não caberia a uma resolução do BC resolver, entretanto, questões do gênero, porque seria necessário uma lei regulamentando a terceirização no mercado de trabalho brasileiro.
O marco legal do correspondente não trouxe mudanças à forma de remuneração dos correspondentes nas operações de crédito e arrendamento mercantil como se chegou a cogitar. Nos seus debates internos, a entidade trabalhava com a hipótese de que o pagamento das comissões passasse a ser proporcional aos prazos e valores das prestações e que fosse vinculado à efetiva liquidação das prestações. Em caso de quitação antecipada do contrato ou atrasos, a remuneração também seria interrompida. Essa ideia, que financeiramente beneficiaria aos bancos, não virou regra. Alguns bancos maiores já adotam essa fórmula de remuneração.
Atualmente, boa parte das instituições que usa o correspondente para distribuir crédito faz o desembolso para o correspondente ou pastinha logo na aprovação da linha. Acaba tendo uma despesa na frente para uma receita que, muitas vezes, não se concretiza quando o cliente liquida a operação antes do término do contrato ou mesmo quando fica inadimplente. A Febraban defendia que um percentual fosse pago adiantado e que o restante fosse diferido a partir do término da carência de um ano da entrada em vigor da medida.
Para Oliva, da ABBC, a remuneração vinculada à existência da carteira contribui para evitar riscos operacionais e faz o agente de crédito trabalhar a favor da qualidade da operação não só na concessão, mas também durante toda a vigência do contrato. “Assim se evita loucuras de certos correspondentes que procuram girar de forma exacerbada a carteira entre diferentes bancos e, numa situação limite, até prejudicando o cliente, que não sabe de fato o que está acontecendo.”
O modelo de comissionamento pode ser definido no campo da autorregulação. Ele explica que, embora a entidade defenda o diferimento, muitas instituições financeiras não têm os seus sistemas preparados para modificar a remuneração dos correspondentes. Queiroz Filho, da Febraban, pondera que, se o regulador perceber que há risco de descasamento, isso também pode ser normatizado.