Terceira mesa do seminário debateu combate à terceirização
A exemplo do que aconteceu na manhã desta sexta-feira, dia 27, o auditório azul do Sindicato dos Bancários de São Paulo estava lotado para a terceira parte do seminário A Terceirização e os Impactos no Mundo do Trabalho.
O juiz da Vara de Trabalho de Jundiaí, Jorge Luiz Souto Maior, o chefe de combate a fraudes do Ministério Público do Trabalho, José Lima Ramos Pereira, o representante da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Francisco Giordani, e o representante do Ministério do Trabalho e Emprego, Antonio da Costa, debateram o Combate à Terceirização como Fraude nas Relações de Trabalho no Brasil.
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Abrindo os trabalhos, a secretária-geral do Sindicato, Raquel Kacelnikas, lembrou que o Sindicato chegou a empreender negociações com terceirizadas como a Fidelity, na tentativa de garantir aos trabalhadores mais direitos e melhores salários, aproximando-os da Convenção Coletiva da categoria bancária. “Houve alguns avanços, mas os bancos mudam as formas de atuar e agora a Fidelity não figura mais como empresa terceirizada em São Paulo e no Rio de Janeiro”, relatou Raquel.
“Ou seja, é muito difícil essa atuação, mas nosso Sindicato nunca se furtou da prerrogativa de lutar pelos companheiros terceirizados. E vamos continuar construindo essa relação pelo país afora, conversando com gente de todas as áreas que estiverem com as portas abertas nesse trabalho de combate à terceirização”, afirmou, lembrando que foi dessas “andanças” que surgiu a proposta deste seminário.
Souto Maior comemorou sua participação no seminário, salientando que tem a convicção de que o Direto do Trabalho tem um objetivo muito claro: a melhoria das condições de vida dos trabalhadores. “E venho falar de um tema que é exatamente o avesso disso tudo, que é a terceirização como mecanismo de destruição da classe trabalhadora.”
O juiz destacou que de moderna a terceirização nada tem. “Se lembrarmos, ela existiu desde sempre, e justamente na perspectiva da sua existência o direito do trabalho sempre se pautou. Era comum que o empregador contratasse uma pessoa que contratava outras para prestar determinados serviços. Lógica típica que o Direito do Trabalho foi tentando destruir. Ou seja, surgiu para combater terceirização que desloca o capital e o trabalho de forma a impedir que os trabalhadores organizados reivindiquem melhores ganhos.”
O magistrado demonstrou como a terceirização se instalou ao longo da história, por uma série de medidas. “O problema está posto e a terceirização foi tornada legítima. Cabe ao Direito do Trabalho garantir algo que a terceirização não permite. Ela pulveriza a classe trabalhadora. Os formais ficam em poucas condições de lutar. Além disso, não se identificam, vivem um mal menor. Os terceirizados sofrem profundamente e vivem o fenômeno clássico da invisibilidade. A terceirização massacra. No meio rural, por exemplo, tem o tomador de emprego que não existe. O trabalhador não sabe para onde vai nem a quem reclamar direitos. Quando acionado, o juiz pergunta para onde vai a laranja e o trabalhador não sabe, ou seja, não tem a quem condenar. É a forma mais perversa de explorar o trabalho.”
Para o juiz, a lógica é contrariar a terceirização. “Ela tem de acabar. E para os que dizem que não pode, aviso que não consigo compreender essa lógica. Não diziam o mesmo da escravidão? É cômodo para todos ter alguém que faça limpeza sem saber quem é, como chegou ao trabalho. Terceirização das atividades começou pela lógica do preconceito (limpeza e vigilância) e não parou mais”, disse Souto Maior, afirmando que, para ele, regular a terceirização é o mesmo que regular o trabalho infantil. “Não me chamem para qualquer debate que não vise colocar um fim nesse processo.”
Souto maior destacou a importância, nessa luta, do espírito de amar o próximo. “A solidariedade entre a classe trabalhadora é fundamental e se trata de uma questão de sobrevivência, porque a terceirização avança sobre outros serviços.” E deixou claro: essa luta tem de ser incansável. “O Judiciário é instrumento importante, mas movimento sindical não pode ficar esperando que a mudança venha assim. Se os trabalhadores estiverem dispostos, isso muda.”
Fraude
Oito milhões de trabalhadores são terceirizados no Brasil, o que significa aproximadamente 9% da população economicamente ativa. Existem no país 31 mil terceirizadas. Esses foram alguns dos dados apresentados pelo chefe de combate a fraudes do MPT, José Lima.
Ele elencou alguns setores dos bancos que deixaram de ter os serviços feitos por bancários: retaguarda, tesouraria, call center, terminais de autoatendimento, telecomunicação e processamento cartões. “E o que a terceirização trouxe de bom? No MPT aumentou o número de reclamações. O trabalhador deixou de ser empregado para ser terceirizado. E a organização sindical foi dividida, pulverizada.”
Para o representante do MPT, a terceirização é muito pior do que se conhece. “No setor petroquímico, 98% dos fatores que incentivaram a terceirização estão relacionados à diminuição de custos”, contou. O resultado? “Dos 200 petroquímicos mortos no trabalho nos últimos dez anos, 85% eram terceirizados”.
Lima não vê muita solução para esse problema porque o Judiciário dá chancela às iniciativas de terceirização. “Estamos dando início no MPT ao Projeto Tio Patinhas contra a terceirização do correspondente bancário. O projeto busca pelo menos a isonomia de salários e direitos para não ser mais lucrativo terceirizar, de forma que o empregador tenha de contratar diretamente.”
Diante da informação apresentada pelo trabalhador terceirizado Lindiano da Silva, de que “Fidelity e Contax foram proibidas pela Justiça de terceirizar atividades-fim e continuam trabalhando normalmente”, Lima disse que é preciso checar se houve recursos. E salientou que, contra a desobediência a decisões judiciais, a multa tem de ser alta, porque o empresário só sente no bolso.
Lima encerrou sua participação, lembrando que “decisão judicial tem força. Mas palavra também tem força. Juntar tantas pessoas num sindicato numa sexta-feira para debater um tema como esse é uma prova dessa força”. E informou: em 18 de julho, o MPT realiza em Brasília um Fórum Nacional sobre Terceirização.
As iniciativas relatadas no seminário foram saudadas pelo representante do Ministério do Trabalho e coordenador do grupo de combate à fraude em São Paulo. Ele informou que o MTE está adotando uma nova metodologia a partir da apresentação de projetos para atender melhor a quem faz denúncia. “Trabalhávamos por denúncia individual, relativa a empresas. A ideia agora é fazer por atividade econômica ou por irregularidade”, disse Costa
Magistrados
“Não deveria existir terceirização nenhuma. Ela, em si, é extremamente danosa”, afirmou o representante da Anamatra. No entanto, observou, vivemos na sociedade do discurso: quem tem o poder da informação passa o que quer e os demais aderem à ideia.
“Os segmentos da sociedade que defendem a terceirização têm grande poder de convencimento, a grande mídia é a favor. Nós aqui, com o devido respeito, estamos fazendo trabalho de formiga”, disse, lembrando que a data-base dos bancários, muito tempo atrás, era uma preocupação. “Hoje não é a mesma coisa e em nenhuma outra categoria é assim. Novas tecnologias contribuíram, mas a terceirização desempenha papel muito grande nessa situação”, destacaou Giordani.
Sobre a questão de o que é atividade-meio e atividade-fim, ele citou um antigo professor de Direito, Cesarino Jr, que questionava: qual empregado é de maior confiança que a senhora que faz limpeza quando não tem ninguém lá dentro.
“Ninguém quer trabalhar num chiqueiro. Então isso não é atividade-meio.”
Para Giordani, uma saída talvez seja voltar para o Direito Civil (de onde saiu o Direito do Trabalho), porque é mais social que o Direito do Trabalho. “Sei que dá margem para ampla discussão. Mas no caso da terceirização, podemos usar princípios do novo Código Civil. É inconcebível que um contrato entre duas pessoas venha a prejudicar uma terceira pessoa, no caso, o trabalhador. Isso não pode existir. A terceirização é uma enganação.”
O magistrado afirmou ainda que o Brasil tem um longo caminho a percorrer, entre a responsabilidade subsidiária da empresa, adotada no país hoje, e a responsabilidade solidária, que é utilizada em outros países.
A grande diferença é que quando a responsabilidade é subsidiária, a Justiça determina que a empresa contratante só responderá por dívidas trabalhistas da terceirizada quando se esgotarem todos os meios para cobrar desta última. Já a responsabilidade solidária determina que as duas responderão concomitantemente, tanto a contratante quando a contratada são igualmente responsáveis.
“É muito difícil mudar conceitos, mas é necessário e temos de insistir”, ressaltou, citando verso do poeta português Fernando Pessoa (“tudo vale a pena se a alma não é pequena”) ao afirmar: “tudo vale a pena para defender a dignidade da pessoa humana”.