Uma cliente do Bradesco, que teve sua conta encerrada sem autorização, obteve na Justiça uma decisão inusitada. A instituição financeira foi condenada a pagar uma dívida de cartão de crédito que ela tinha com o Itaú. O juiz Ledir Dias de Araújo, da 13ª Vara Cível do Rio de Janeiro, entendeu que, como não foram devolvidos os R$ 2 mil que estariam em poupança, a cliente perdeu a chance de quitar o débito com um bom desconto.
Na ocasião, a cliente teria conseguido uma ótima oportunidade, que a faria pagar apenas R$ 1,7 mil para encerrar uma cobrança de R$ 46 mil. O juiz aplicou ao caso a tese da perda de uma chance, que não está em lei, mas presente em uma doutrina que se baseia em princípios do Código Civil.
A tese já é aceita principalmente em ações que envolvem direito civil, do consumidor e comercial. O argumento só é aceito se a parte demonstrar, de forma objetiva, a grande probabilidade de o evento não ter ocorrido por culpa de um terceiro.
Em geral, porém, para se calcular o valor de uma indenização pela perda de uma chance, leva-se em consideração a probabilidade daquele evento ocorrer. Nesse caso, houve um pedido alternativo, aceito pelo juiz, de quitação da dívida, pelo valor que o Banco Itaú aceitar.
De acordo com o processo, a cliente do Bradesco desde 1994 foi informada, em agosto de 2012, que sua conta seria encerrada porque não haveria mais interesse em mantê-la, o que a fez sair constrangida e chorando da agência. Em janeiro de 2013, voltou ao banco para sacar os R$ 2 mil restantes em sua poupança para pagar uma dívida de cartão de crédito do Banco Itaú e excluir a inscrição de seu nome dos cadastros de proteção de crédito.
Ela foi informada, no entanto, que sua conta estava encerrada desde outubro e que não constava saldo algum no sistema. Assim, pediu na Justiça o ressarcimento dos R$ 2 mil, o pagamento da dívida com o Itaú e uma indenização por danos morais.
O Bradesco alegou na ação que a cliente não sofreu qualquer constrangimento na agência, o que não ensejaria indenização por danos morais. Também acrescentou que o saldo da conta de poupança teria sido utilizado pela cliente. O banco ainda argumentou que, mesmo se houvesse saldo remanescente, não há garantias de que a cliente iria quitar sua dívida com o Banco Itaú.
Segundo a decisão do juiz Ledir Dias de Araújo, o Bradesco não negou o encerramento da conta, tampouco provou documentalmente o saque na conta poupança pela cliente.
Conforme o magistrado, o encerramento de conta pela instituição financeira é possível, desde que haja motivo para rescisão contratual. Nesses casos, deve haver a comprovação de conduta comprometedora do cliente, como mau uso de cheque, a sua falência ou insolvência civil. Entretanto, no caso, o juiz entendeu que o Bradesco não trouxe qualquer motivo.
O magistrado considerou que a conduta violou o inciso IX, do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que veda a recusa de prestação de serviços, ressalvados casos especiais. Ainda citou precedente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que condenou o Santander a pagar indenização por encerramento indevido de conta corrente. Assim, condenou o Bradesco a pagar os R$ 2 mil restantes na poupança, além de R$ 3 mil por danos morais.
Por fim, considerou que houve a perda de uma chance, já que a cliente teria sido impossibilitada de pagar o acordo pela conduta do Bradesco, e determinou que a quitação da dívida com o Itaucard. Desse valor, o juiz determinou que descontasse os R$ 1.788,75, que seriam pagos na época.
O advogado da cliente, Rodrigo Del Barrio, do Prisco, Ottoni e Del Barrio Advogados, afirma que viu no caso a perda de oportunidade existente de quitação da dívida e sua relação direta com o fato de o banco ter encerrado a conta sem devolver o saldo remanescente.
“Ela perdeu realmente uma ótima oportunidade de acabar com a dívida e retirar o seu nome dos órgãos de proteção de crédito”, diz. Para comprovar, apresentou documento no qual a cliente manifestou expressamente, na época, o desejo de sacar dinheiro para quitar a dívida. Contudo, o advogado afirma que ainda deve pleitear uma maior indenização por danos morais.
Segundo o advogado de direito do consumidor Marcelo Roitman, do PLKC Advogados, o fato de a cliente ter conseguido comprovar que não conseguiu pagar a dívida por culpa do Bradesco foi essencial para caracterizar a perda de uma chance.
Apesar de a teoria ter sido corretamente aplicada, o advogado Bruno Boris, professor de direito do consumidor no Mackenzie, ressalta que o juiz deveria ter concedido uma indenização objetiva, com base em probabilidades. “Em geral, essa indenização não é integral porque não há certeza absoluta de que o fato iria acontecer, se não tivesse sido impedido”, diz. Segundo o professor, o Itaú ainda pode se recusar a fechar o acordo, já que nem é parte do processo e a dívida está em nome da cliente.
Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa do Bradesco informou por nota que “o assunto esta sub judice e o banco não comenta”. A assessoria de imprensa do Itaú não retornou até o fechamento da edição.