Professora e ativista Glória Ramos, conselheira sindical do Inspir
O combate ao racismo nos bancos foi um dos temas da roda de conversa no segundo dia do II Fórum Nacional pela Visibilidade Negra no Sistema Financeiro, encerrado nesta quinta-feira (14), no Hotel São Francisco, no centro do Rio de Janeiro. O evento foi promovido pela Contraf-CUT em parceria com o Sindicato dos Bancários do Rio e a Fetraf RJ-ES.
A discussão começou com a apresentação do Dieese sobre a presença de afrodescendentes no mercado de trabalho bancário.
A técnica da subseção do Dieese na Contraf-CUT, Barbara Vallejos Vasquez, mostrou a pesquisa que combinou informações de quatro fontes: o Censo de 2010 do IBGE, o Mapa da Diversidade, realizado pela Febraban em 2009, a Pesquisa do Emprego Bancário (PEB) de 2012 da Contraf-CUT e Dieese com dados do TEM, e a PNAD/IBGE de 2012.
Os dados mostram claramente não só que o número de pretos e pardos nos bancos é menor, mas que a média salarial é inferior. Outro elemento relevante apontado na pesquisa é que nos bancos privados houve mais demissões que contratações de afrodescendentes em 2012.
Racismo não é destaque
O diretor de formação da Unegro-Rio, Antônio Carlos dos Santos, que também é assessor do departamento de formação do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, focou o tratamento dado pelos sindicalistas à questão racial.
“Mesmo na categoria dos metalúrgicos, em que a maioria é de trabalhadores negros, a questão do racismo não tem destaque. É preciso que as pessoas se reconheçam e percebam a necessidade de fazer este debate”, apontou o ativista negro. Para Antônio Carlos, essa situação se dá não só pela naturalização do racismo na sociedade brasileira, mas também pela concentração da atuação política dos dirigentes sindicais em outras questões.
“Os sindicalistas desenvolveram uma cultura de que sua atuação tem que ter resultados. O que percebemos é que, de maneira geral, todo o esforço se reverte na questão econômica. As cláusulas sociais ficam em segundo plano”, criticou.
Antônio Carlos destacou, ainda, que as políticas de reparação – como as cotas nas universidades – apesar de muito criticadas por um segmento da sociedade, são não apenas necessárias, mas justas. “Reparação é colocar num nível aceitável a enorme defasagem de oportunidades que negros e negras sempre tiveram”, defendeu.
A professora e ativista Glória Ramos, conselheira sindical do Inspir (Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial), destacou a importância dos militantes sindicais que nunca deixaram o tema ser varrido para debaixo do tapete. Ela apontou que os números do racismo apontados na pesquisa do Dieese não são novidade para quem sofre a discriminação. “Os dados são importantes para quem diz que não há racismo. Para nós, os dados são a nossa vida, as situações que vivemos no dia a dia”, enfatizou.
A gente não quer só comida
Para Glória, o extermínio da população negra no Brasil começou no dia 14 de maio de 1888, um dia após a abolição da escravidão. “Lá atrás, deixaram a gente sem comer. Agora que tem Bolsa-Família, que a gente está comendo, dão tiro”, denunciou.
A melhoria do poder aquisitivo de negros e negras também trouxe o aumento das demandas. “Foi feito o maior programa de distribuição de renda do mundo. Agora que comemos, queremos ir para a escola. Eu quero riquezas, que foram construídas pelos meus ancestrais. E eu quero dividir e redistribuir poder. Essa é a reparação”, defendeu Glória.
Ela se reconheceu como exceção, mas não se conforma. “Não é todo mundo que pode fazer mestrado e doutorado no Brasil. Muito menos, negros e negras. Mas é na educação mesmo que negros e pardos vão entender que têm valor, que têm direito de ter espaço e que não podem ser assassinados. Se não for operada uma transformação sócio-educativa, nada vai mudar”, avaliou Glória.
Atuação na sociedade
Tanto Antônio Carlos quanto Glória apontaram a dificuldade dos negros se reconhecerem como um dos obstáculos ao enfrentamento do racismo. “O vigilante do banco é negro, mas é o negro feitor, é mestiço. Ele é um irmão que faz o que o patrão manda. É essa mestiçagem mal feita que gera um pardo que não sabe qual o seu lugar”, analisou Glória.
Para ele, a solução passa pela formação. “É preciso termos ativistas da causa que multipliquem conhecimentos e formem novos ativistas. Precisamos também de redes de comunicação para trocar informações”, propôs Antônio Carlos.
Cotas nos bancos
Glória, que defendeu cotas para a contratação de trabalhadores e trabalhadoras afrodescendentes em todos os setores, apresentou uma proposta. “Banco é concessão pública. Quando o Itaú, o Bradesco, o Santander, forem renovar suas concessões, o Estado tem que intervir e exigir que eles definam uma cota para contratação de negros. E quem vai fazer o Estado intervir é o movimento negro, são os sindicatos”, sugeriu.
A professora também defendeu que o debate do racismo seja feito o ano todo, aproveitando várias datas importantes sobre o tema, mas não somente nessas ocasiões. “Além da campanha salarial, tem que fazer a campanha antirracismo. E tem que fazer com todo mundo, não pode ter só negro. Tem que ter também o branco de alma negra, aquele que tem um olho que vê, que não deixa passar o racismo”, concluiu.