Golpe de 64: a resistência do povo brasileiro e a hora da Comissão da Verdade

O golpe militar de 1964 foi lembrado nesta quinta-feira (31) no Brasil. O site alternativo www.sul21.com.br publicou oportuno editorial, resgatando a conjuntura política dos anos 60 e a história da ditadura brasileira e defendendo, a exemplo do que já ocorreu em outros países da América Latina, a instalação da Comissão da Verdade “para apurar os crimes cometidos durante os anos sombrios da repressão”.

Leia a íntegra do editorial do Sul21:

Golpe de 1964 e a Comissão da Verdade

31 de março de 1964. Tem início o golpe de estado que deu origem a 20 anos de ditadura militar no Brasil. Partindo de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro à frente de suas tropas, o general Mourão Filho precipitou o movimento que vinha sendo preparado com o apoio de grandes empresários, da população de classe média urbana e do governo Lyndon Johnson, mas que, segundo seus articuladores, não deveria desencadeado naquele momento.

Período áureo da Guerra Fria entre EUA e URSS, com os soviéticos ultrapassando os norte-americanos na corrida espacial e na geração de tecnologia, com o lançamento do Sputinik (primeiro satélite artificial da terra), em 1957, e da viagem de Yuri Gagarin (primeiro homem no espaço), em 1961, a América Latina entra no rol das regiões em disputa pela hegemonia no mundo.

A revolução cubana, em 1959, trouxe o conflito para as cercanias dos EUA que, em reação, incendiaram todo o subcontinente americano. A disputa capitalismo x socialismo ou, como era chamada no período, “democracia capitalista” x “ditadura comunista” desencadeou uma sucessão de golpes militares na região que, ironicamente, em nome da “democracia” sufocou as liberdades civis e sustentou ditaduras capitalistas em quase todos os países latino-americanos.

Durante as décadas de 1960 e 1980, ocorreram golpes militares em El Salvador (1960), República Dominicana (1962 e 1965), Equador (1963), Brasil (1964), Argentina (1966), Panamá (1969), Bolívia (1971), Equador (1972), Uruguai (1973), Chile (1973), Honduras (1975), Argentina (1976), Honduras (1978), Granada (1979), Suriname (1980 e 1982), Granada (1983), Haiti (1986 e 1988), Paraguai (1989).

A ditadura militar brasileira foi uma das mais longas do período. O golpe de 1964 foi sucedido pelo chamado golpe no golpe, em 1968, que instalou os anos de chumbo, com o aprofundamento das restrições democráticas e da repressão política. Esses golpes contaram, inicialmente, com o apoio de grande parte da população que se intimidava com o “perigo vermelho” e que “clamava por ordem”.

Visavam o controle do movimento sindical, popular e estudantil, que surgira e fora mantido sob controle rígido do Estado durante o período da ditadura varguista (1937-1945), mas que começava a dar sinais de independência e a instalar greves e reivindicações: melhores salários, assistência de saúde e educação gratuitas e de qualidade para todos e em todos os níveis de ensino e, sobretudo, melhor distribuição da riqueza nacional. Na visão de muitos, tais movimentos eram perigosos e precisavam ser controlados.

O “milagre econômico” ocorrido na década de 70, do século passado, deu sustentação popular ao golpe militar brasileiro. Mesmo concentrando ainda mais a renda nacional, surgiu uma classe média consumidora de bens duráveis, com acesso a carros, casa de praia, viagens de férias e compras em shopping centers – que foram introduzidos no país naquele período. Os que se atreviam a se contrapor à ditadura eram “subversivos” e, como tais, perseguidos, presos e, muitos, torturados e mortos.

Foram precisos mais de 20 anos para romper a barreira da repressão política. Foram necessários muitos enfrentamentos, passeatas, ações armadas, prisões e mortes. Demorou, mas a sociedade civil conseguiu se reorganizar, fortalecer o partido político de contestação ao regime (MDB), retomar os movimentos populares e sindicais e forçar a transição democrática.

Hoje, ainda que algumas viúvas da ditadura lamentem seu fim e insistam em afirmar suas “virtudes”, o que temos a comemorar é a capacidade de resistência do povo brasileiro e de toda a América Latina e nos unir aos esforços para a instalação, também no Brasil e a exemplo do que já ocorreu na maioria dos países da região, da Comissão da Verdade, para apurar os crimes cometidos durante os anos sombrios da repressão.

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