FOLHA DE SÃO PAULO
KENNEDY ALENCAR
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Apesar das pressões do empresariado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não pretende encampar medidas de mudanças da legislação trabalhista por causa dos reflexos da crise econômica mundial sobre a produção e a geração de empregos no Brasil.
“Não vejo a menor possibilidade de o governo discutir a flexibilização das leis trabalhistas ou medidas de exceção”, disse ontem à Folha o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Segundo ele, o governo “não vai jogar a conta da crise nas costas do trabalhador”.
Em entrevista no final de semana ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o presidente da Vale, Roger Agnelli, defendeu a flexibilização das leis trabalhistas e falou em “medidas de exceção”.
Lula, que considerou “infeliz” a expressão “medidas de exceção”, está disposto a discutir o incentivo a acordos entre sindicatos fortes e grandes empresas para contornar os cortes. Nesse caso, dentro dos parâmetros da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), seriam negociadas alternativas.
Há no governo uma ala que defende que o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) arque com eventual custo de um acordo coletivo, mas é uma idéia polêmica, sugerida por empresários, e que Lula ainda não avaliou detalhadamente.
A Folha apurou que líderes sindicais e representantes da indústria paulista chegaram a iniciar a negociação de um “acordo guarda-chuva” com alternativas às demissões nos setores mais afetados pela crise. A proposta foi apresentada ao presidente Lula com o objetivo de exigir uma contrapartida do governo ao sacrifício dos trabalhadores e das empresas.
O presidente, segundo integrantes da negociação, pediu que as discussões fossem suspensas até janeiro. Caso o Planalto referendasse agora um “acordão”, o discurso pró-consumo encampado por Lula para incentivar as compras de Natal seria prejudicado, pois evidenciaria otimismo menor do que o aparentado pelo governo. Além disso, Lula quer aguardar a resposta às medidas anunciadas pela equipe econômica até agora antes de buscar remédios mais amargos.
A ala do governo que defende eventual uso do FAT para cobrir os acordos é comandada pelo ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Segundo a Folha apurou, ele defendeu que o Ministério do Trabalho examine a opção de usar parte dos recursos do seguro-desemprego para ajudar empresas a pagar os salários de trabalhadores que fizerem concessões num acordo coletivo.
Quando era executivo da Volks, Jorge esteve à frente de uma negociação em que houve redução de 20% da jornada e do salário. Na época, dividiu-se o valor do 13º salário, do adicional de férias e da participação nos lucros em 12 vezes para que o empregado mantivesse o nível mensal de remuneração.
Houve contestação judicial, porque a lei não permite essa divisão. No entanto, prevaleceu o entendimento do “acordado sobre o legislado”. Ou seja, a Justiça do Trabalho oficializou o acordo porque ele interessava às duas partes. A sugestão de Jorge é que, caso não se atinja a remuneração mensal do trabalhador após a redução da jornada e a divisão desses benefícios, o seguro-desemprego cubra essa diferença. Obviamente, é uma medida polêmica. Auxiliares do presidente acreditam que dificilmente ele avalizará uma medida assim. Há complicadores políticos e legais.
Para implementá-la, seria preciso uma modificação legal do seguro-desemprego, a ser feita por projeto de lei no Congresso. Somente um agravamento muito forte da crise, na contramão do discurso otimista do governo, poderia criar clima político para a aprovação.