A crise do capitalismo especulativo, iniciada em 2008, continua em cartaz como uma ópera bufa internacional. Nela, os velhos avarentos e os jovens fidalgos, em cada vez menor número, ampliam sua concentração de riqueza e poder.
Para que esta estranha mescla de farsa e tragédia possa ser consumada e consumida pela opinião pública de forma adocicada e sem maiores questionamentos, os donos do capital contam com seus servos trapaceiros da “grande imprensa”. Na ânsia da alavancagem perpétua de seus lucros, o vale-tudo está instaurado.
Mas de nada adiantou dourar a pílula, pois a magnitude da crise internacional salta aos olhos, bem como a necessidade de políticas públicas que ponham fim às terríveis mazelas que a hegemonia de alguns poucos países sobre a soberania e o desenvolvimento têm provocado no salário, no emprego e nos direitos de centenas de milhões de trabalhadores em todo o planeta.
Na sua lógica, o capital se desloca para onde pode impor sua hegemonia, deixando por detrás de sua passagem o deserto das terras arrasadas. Prova disso é que todos os governos que aceitaram o receituário recessivo de privatizações e concessões do patrimônio público ditado pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial têm colhido o que há de pior para suas economias, com gravíssimos reflexos no dia a dia das suas populações.
A cartilha de “socorro” aos grandes bancos e especuladores, adotada por muitos Bancos Centrais, tem representado a drenagem de volumosos e estratégicos recursos do Estado ao mais desavergonhado parasitismo, enquanto o setor produtivo vê represadas as linhas de crédito e amarga altíssimas taxas de juros, e a própria estrutura estatal vê seus recursos arrochados pela prioridade dada ao “superávit primário”.
Participando recentemente em Montevidéu do Seminário “Desenvolvimento Sustentável e Trabalho Decente”, organizado pela Fundação Friedrich Ebert (FES), e do lançamento do manifesto da Aliança Progressista “Combate à Desigualdade, recebi um documento assinado por Victor Báez, secretário geral da Confederação Sindical das Américas (CSA) e Yasmin Fahimi, do Partido Social-Democrata da Alemanha, baseada em pesquisas de institutos de intelectuais sérios com informações estarrecedoras sobre a desigualdade. São dados que soam como um alerta contra os descaminhos empreendidos até aqui pelos que se alinharam – consciente ou inconscientemente – à lógica neoliberal.
Este é o mundo de um Robin Hood às avessas, em que a quinta parte mais rica da população mundial passou a ganhar 50 vezes mais do que a quinta parte mais pobre, em que as 85 pessoas mais ricas possuem mais patrimônio do que a metade mais pobre. Neste momento, a riqueza do 1% do topo da pirâmide equivale a US$ 110 trilhões, sendo 65 vezes maior do que a riqueza total da metade mais pobre.
Com o ataque descomunal aos convênios coletivos, está havendo diminuição de salários em vários países, como nos Estados Unidos e na maior parte dos países europeus, onde multiplicam-se as ações antissindicais, bem como as filas para os sopões. Se em 1970, um alto executivo americano recebia 30 vezes mais do que o salário médio de um trabalhador. Hoje recebe 300 vezes mais.
Nos países desenvolvidos, a parte correspondente aos salários no Produto Interno Bruto baixou entre 1980 a 2010 de 74% a 65% (ou seja, houve redução de 26% a 35%) enquanto no PIB dos países em desenvolvimento e emergentes houve redução de 20%. A renda dos mais ricos desde 1980 tem aumentado consideravelmente, inclusive em países como Suécia e Noruega. Na China e Portugal, mais do que dobro. Na contramão, o imposto sobre as rendas de capital vem caindo: na Alemanha é de 25%, enquanto sobre o trabalho chega a 42%.
Frente a números tão terríveis, a América Latina nos dá alento e esperança, tendo havido redução da desigualdade em 14 dos 20 países pesquisados nas duas últimas duas décadas. Ainda que modestos, os avanços são resultado de políticas de governos democrático-populares que, com diferentes matizes, não caíram no conto da sereia do “Consenso de Washington” e passaram a reforçar o protagonismo do Estado, com políticas sociais inclusivas.
A hora é de redobrar a unidade e a mobilização dos movimentos sindical e social para demolir esta “ordem” desumana e, que, sobre os seus escombros, comecemos a construção de uma nova sociedade. É importante que temas relacionados à tributação dos ricos, à taxação de heranças e das transações financeiras estejam na ordem do dia do movimento sindical internacional Para que o trabalho seja fonte de riqueza individual e coletiva e não da apropriação, a ferro e fogo, de donos de bancos e multinacionais.
João Antonio Felício
Presidente da CSI (Confederação Sindical Internacional)