Começa neste domingo (25) e vai até sábado (31), em São Paulo, o 9º Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres. É a primeira vez que representantes do maior movimento feminista do planeta se reúnem no Brasil desde sua fundação oficial, há 13 anos, no Canadá.
Em torno de 1,6 mil militantes de 40 países devem encher durante toda a semana os pavilhões do Memorial da América Latina, na zona oeste da capital, para palestras e seminários sobre os principais problemas enfrentados pelas mulheres em todo o mundo, além de assembleias e reuniões executivas do movimento. Também haverá uma exposição na Galeria Olido, no centro.
“O feminismo é primordial para acabar com a desigualdade que, apesar de todas as vozes em contrário, persiste entre homens e mulheres”, explica Maria Fernanda Marcelino, militante da Marcha e membro da comissão organizadora do 9º encontro internacional.
“Existe um discurso de que as mulheres já alcançaram igualdade com os homens, de que perante a lei somos iguais e que na prática desempenhamos as mesmas atividades. Que temos até uma presidenta da República. No entanto, as mulheres ainda são a parcela mais empobrecida da população. E a que mais sofre com os problemas sociais”, disse.
A abertura oficial do evento será na segunda-feira (26) com a presença da ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, da secretária de Políticas para as Mulheres da prefeitura de São Paulo, Denise Motta Dau, e da coordenadora do Secretariado Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, que há seis anos está sediado no Brasil, Miriam Nobre.
No encerramento do encontro, dia 31, está prevista uma manifestação entre a Avenida Paulista e a Praça da República, no centro, com concentração no vão do Masp às 14 horas.
Atualidade
Maria Fernanda lembra que há uma série de atividades exercidas pelas mulheres que não são valorizadas economicamente, apesar de sua importância social. “O trabalho doméstico, por exemplo, continua sendo invisibilizado, ao mesmo tempo em que é fundamental para a sociedade”, contrapõe.
“Sem que alguém trabalhe cuidando e alimentando das crianças, fazendo com que sejam adultos saudáveis com condições de trabalho, a sociedade não se sustenta. No entanto, ainda existe a impressão de que as mulheres nascemos para este trabalho, que é algo natural e que não devemos ser remuneradas por isso”, destacou.
A atualidade do feminismo, continua a militante, ainda se justifica pela reduzida autonomia que as mulheres possuem sobre o próprio corpo. Alguns países da América latina, como o Uruguai, têm avançado na legislação que aumenta o poder de decisão das mulheres sobre si mesmas. Porém, são exceções.
“Ainda temos de recorrer ao aborto clandestino quando queremos interromper a gravidez na maioria da região”, pontua, “e temos visto um aumento no grau de violência de gênero, que continua sendo muito corriqueira.” Maria Fernanda lembra que as mulheres ainda apanham muito, dentro e fora de casa. “Temos medo de andar na rua de noite, porque, se a gente for violentada, certamente a sociedade irá dizer: por que você estava na rua a essa hora? Como se não tivéssemos direito ao espaço público”, apontou.
Nesse sentido, a militante lembra que o feminismo proposto pela Marcha Mundial das Mulheres visa implementar transformações estruturais na sociedade. “Parece uma coisa meio ambiciosa e talvez um pouco ingênua, mas acreditamos que para mudar a vida das mulheres, temos que mudar o mundo”, afirma.
“Enquanto não tivemos um modelo de sociedade que incorpore a todas e todos, as mulheres vão continuar sendo excluídas”, salientou. Daí vem a ligação do feminismo com os demais movimentos sociais que lutam por mais moradia, saúde, educação, respeito ao meio ambiente etc.
“Se você não tem hospital, quem é que cuida dos doentes? De uma pessoa autista, de uma idosa, de um idoso? Raramente são os homens que vão abrir mão dos seus trabalhos para ficar em casa”, exemplifica.
“As obras realizadas pelo Estado normalmente beneficiam os homens. Os dados dizem que quem anda mais de carro são os homens, então as mulheres usam o transporte público, que está cada vez mais sucateado. Tudo tem a ver com a gente, e é por isso que a gente se envolve num monte de movimentações e debates em aliança com os outros movimentos sociais”, ressaltou.
Preconceito
Apesar de estarem munidas de dados, fatos e argumentos, além de uma longa trajetória histórica de abusos e exclusão, a militante da Marcha Mundial das Mulheres afirma que as feministas brasileiras ainda enfrentam resistências e preconceitos. Além do discurso de que o feminismo ficou no passado, Maria Fernanda lembra que vem crescendo uma visão do feminismo que busca ampliar os direitos das mulheres sem pretender modificar as estruturas que regem a vida do país.
“Não dá pra ignorar que as mulheres sofrem violência doméstica, por exemplo, também porque temos uma televisão que o tempo inteiro trata as mulheres como bandidas, ordinárias, interesseiras, vagabundas, prostitutas”, pontua.
“Se você não questiona o conjunto, não existe ação afirmativa que remexa isso.” Precisamente sobre os meios de comunicação, uma pesquisa recentemente divulgada pela Fundação Perseu Abramo detectou que, para 64% da população, a mídia trata as mulheres com desrespeito.
Maria Fernanda também lamenta que ainda persiste a ideia de que as feministas são pessoas de mal com a vida, mal amadas, feias, peludas, enfim, com todos os clichês que há décadas vêm sendo impingidos às mulheres que lutam por mais direitos e mais igualdades. “Ainda há muita satanização.”
O alento da militante é a presença cada vez maior de jovens na Marcha. “São mulheres que já não admitem mais serem avaliadas o tempo inteiro quando passam na rua, serem mexidas, serem violentadas, serem desqualificadas por serem mulheres”, conta. “Isso é também uma mostra de que existe uma saturação do machismo. Ninguém aguenta mais.”