FOLHA DE SÃO PAULO
VINICIUS T. FREIRE
O maior banco suíço, o UBS, assinou um acordo com os EUA a fim de reduzir as penas a que estaria sujeito por auxiliar alguns milhares de americanos a fraudar o Imposto de Renda. O texto do acordo divulgado anteontem estabelece que o “UBS reconhece e aceita que, (…) a partir de 2000 e até 2007, o UBS (…) participou de um esquema para fraudar os EUA”.
São 43 páginas cabeludas. Um dos anexos diz que o “UBS e seus co-conspiradores (…) aumentaram os lucros do UBS por meio da oferta de serviços bancários e de aconselhamento de investimentos não autorizados e não registrados nos EUA”, com o que esconderam do fisco a identidade de clientes que procuravam escapar do pagamento de impostos. O banco, seus executivos, gerentes etc. faziam parte da conspiração. Funcionários do UBS fizeram milhares de viagens para os EUA a fim de propor a gente rica investimentos ilegais e evasão de dinheiro.
O UBS aceitou entregar alguns desses clientes e pagar multas que somam US$ 780 milhões. Ontem, a Justiça dos EUA abriu outro processo a fim de conseguir a identidade de 52 mil clientes americanos do banco, demanda que o UBS vai “contestar vigorosamente” e que deixou a Suíça em polvorosa. O que importa?
Primeiro, há suspeitas de que coisa semelhante tenha ocorrido no Brasil, como noticiado em várias reportagens desta Folha. A Polícia Federal chegou a prender algumas pessoas, acusadas de terem sido enviadas pelos bancos suíços para oferecer o serviço de evasão de dinheiro. O caso ainda é inconclusivo. Porém, se faziam tal coisa nos EUA, onde evasão fiscal dá cadeia firme, por que não o fariam no Brasil, onde senadores notórios são acusados de burlar o fisco e fica tudo por isso mesmo?
Segundo, a quebra do sigilo bancário suíço abriria um precedente que daria mais gás às iniciativas para dar cabo de paraísos fiscais. Dinheiro de nazistas, terroristas, traficantes de drogas, ditadores africanos e latino-americanos, corruptos brasileiros e ricos bandalhos de todo o mundo circula por tais lugares, e não só em Cayman. Áustria, Suíça ou Panamá oferecem tais facilidades. A União Europeia discute como dar fim a tal coisa no bloco.
Terceiro, o caso do UBS mostra que a fronteira entre “finanças desregulamentadas” e criminosas é tênue. Na semana passada, o FBI disse que investiga fraudes em 38 grandes empresas e instituições financeiras, mas que o número de casos pode ir às centenas com o agravamento da crise e com a entrada de dinheiro público grosso nas empresas e nos bancos americanos.
Houve centenas de fraudes na onda de quebra dos bancos do final dos anos 80 nos EUA. Várias das maiores empresas americanas fraudavam balanços, como se viu nos escândalos de 2001/2 (Enron e cia.). As histórias escalafobéticas de Bernard Madoff e Allen Stanford não são casos isolados.
Enfim, para lembrar a velha e grossa piada comunista (sobre fundar um banco ou roubar um), está cada vez mais difícil distinguir um “produto financeiro estruturado e escriturado de modo pouco transparente” e “bônus indevidos” de coisas que já foram tipificadas como crime pelas leis escritas.