Valor Econômico
Assis Moreira, de Basileia
As exigências para os bancos terem um “colchão” adicional de capital e outras regulamentações e supervisão bancária mais dura, esboçadas domingo pelos principais bancos centrais do mundo, só vão vigorar por volta de 2013, se a economia mundial estiver em expansão.
Os BCs aprovaram em Basileia (Suíça) critérios que poderão causar um ajuste brutal no capital de bancos nos EUA e na Europa. Mas falta negociar os detalhes e sua implementação. Sem surpresas, um primeiro confronto sério mostrou que a tarefa será especialmente dura.
No domingo, logo depois do acordo que anunciaram, as autoridades monetárias reunidas no Banco de Compensações Internacionais (BIS) tiveram fortes divergências sobre o ponto mais sensível: a definição do que é instituição financeira “sistemicamente importante”, que sofrerá a exigência de mais capital próprio para não colocar em risco o sistema financeiro como um todo numa crise.
Bancos comerciais europeus reclamaram ontem que as propostas vão levá-los a ter de aumentar o capital em dezenas de bilhões de dolares, e se tornarão menos competitivos internacionalmente. Já bancos brasileiros vão na outra direção: serão beneficiados na sua internacionalização, à medida que já estão submetidos a exigências rígidas e verão agora concorrentes na mesma situação.
Para o presidente do Banco Central brasileiro, Henrique Meirelles, o acordo de princípio dos BCs é da maior importância para evitar repetição da dramática crise atual. Jean Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, acha que as medidas vão ajudar no desmonte futuro de bolhas de ativos.
O primeiro princípio que os BCs concordaram foi para aumentar a qualidade, consistência e transparência do capital de base dos bancos. Trata-se do chamado “Tier 1”, de nível 1, que no Brasil é o patrimônio de referência do banco. Hoje, isso inclui capital híbrido (que dilui a necessidade de mais capital), como debêntures conversíveis em ações etc. No futuro, o “Tier 1” terá de ser predominantemente, mais da metade, constituído de ações do próprio banco. Isso impõe mais responsabilidade e mais perdas para os acionistas, além de o banco ter maior possibilidade de absorver possíveis prejuízos.
Para bancos na Europa e EUA, isso significará ter de buscar mais capital. No Brasil, não seria necessariamente a mesma situação, porque muitas das ações preferenciais no país atendem à definição de “commom shares” (ações ordinárias) do BIS.
O segundo princípio aprovado cria uma barreira para o endividamento dos bancos, com limite para alavancagem. Os bancos não poderão passar um determinado limite de alavancagem, independente do risco de cada ativo. Bancos europeus começaram a reclamar ontem, alegando que isso pode ser usado para mais supervisão.
A terceira medida que os BCs concordaram foi a necessidade de definir níveis mínimos de liquidez para cada banco. Cada ano um teste de estresse vai checar cada papel que o o banco tem para definir seu nível estrutural de liquidez de longo prazo. Os bancos vão ter de manter mais dinheiro em reserva.
O princípio é o “colchão” de capital. Tem havido uma certa confusão entre o “colchão”, que não é um novo capital mínimo, e o capital mínimo de referência propriamente dito, que não muda e continuará a ser usado para cálculo do nível máximo de alavancagem dos bancos, de 8% dos ativos ponderados pelo risco, conforme frisou Meirelles. O “colchão” é uma exigência adicional de capital para ser atingido nos tempos de expansão da economia, para ser usado nos períodos de recessão. Hoje, as provisão são impostas baseadas em perdas incorridas. No futuro, as provisões deverão ser baseadas na expectativa de perdas. O percentual do colchão não está definido e vai ser motivo de muita polêmica entre os banqueiros.
O quinto ponto é o risco sistêmico associado aos bancos que têm presença em diversos países. Vão ser estabelecidas regras para controlá-los. Mas a divergência é grande sobre qual será a definição de instituições “sistemicamente importantes”, grandes demais para falir, que terão de ter mais capital em reserva. Serão levados em conta índices da economia e do setor financeiro, expansão do crédito, além da evolução da lucratividade.
O grupo de presidentes de BCs e de autoridades supervisoras concordou também em impor um vínculo entre o total da remuneração dos executivos e os resultados dos bancos no longo prazo. Uma idéia seria de estabelecer um percentual do lucro dos bancos para a distribuição de bônus. Mas nada está definido, inclusive possíveis sanções para as instituições que não cumprirem as novas regras.
O plano é de até o final do ano haver algumas decisões e testa-las no ano que vem. Os Estados Unidos acham que as exigências de maior capital, por exemplo, só serão acertadas no final de 2010, para vigorar dois anos depois. Os banqueiros centrais vão ter de calibrar bem as novas exigências regulatórias para evitar que o crédito seja reduzido ainda mais. Daí porque a implementação das novas medidas não ocorrerá antes de 2012, quando se espera já tenha passado a crise atual.