Juliano Basile
Valor Econômico
O Banco Central entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a extinção da ação em que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) defende que cabe ao órgão antitruste o julgamento das fusões e aquisições no setor financeiro.
Em memorial encaminhado à Corte no dia 5, o BC fez três pedidos ao STF. Primeiro, o BC argumentou que o assunto envolve apenas leis federais, e não a Constituição de 1988, motivo pelo qual essa não seria uma questão para ser decidida pelo STF. O assunto seria infraconstitucional e estaria, na visão do BC, fora da alçada da Corte Suprema.
Caso essa alegação seja aceita, passa a prevalecer a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que foi favorável à competência do BC para julgar fusões e aquisições bancárias. O assunto estaria juridicamente encerrado com a vitória do BC no Judiciário.
Por outro lado, caso a alegação de que o tema é infraconstitucional seja negada e a ação aceita pelo STF para julgamento, o BC fez um segundo pedido: quer atuar como assistente no processo. A Procuradoria-Geral do BC pediu formalmente para ser ouvida pelo STF como parte interessada no julgamento.
Em latim, a Procuradoria disse que quer atuar como “amicus curiae” (ou “amigo da Corte”) – qualificação que se dá para quem não é autor nem réu num processo, mas parte diretamente interessada na questão. Uma vez aceita essa alegação, o BC teria ampla liberdade para atuar perante o tribunal, enviando petições, memoriais em defesa de sua posição de ser a autoridade exclusiva para a análise de fusões bancárias.
Por fim, o BC pediu ao Supremo para que o caso não seja julgado sob a sistemática de repercussão geral, na qual a decisão do tribunal que for aplicada a uma ação terá a sua conclusão estendida às demais que tratam do mesmo assunto.
A disputa sobre quem deve julgar fusões bancárias chegou ao STF num recurso envolvendo a compra do BCN pelo Bradesco, que aconteceu em dezembro de 1997. O Cade aprovou o negócio, mas impôs multa, pois ele não foi notificado no prazo até então previsto pela Lei Antitruste, que era de 15 dias. O Bradesco recorreu, então, à Justiça, alegando que o órgão antitruste não pode impor penas aos bancos, pois esses estariam sujeitos à regulação do BC.
É nesse caso que a Justiça vai definir se cabe ao Cade julgar fusões e aquisições bancárias. O Cade venceu a questão no tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª região, com sede em Brasília, mas perdeu por placar apertado no STJ.
No STF, o processo tem o ministro José Antonio Dias Toffoli como relator. Quando foi advogado-geral da União, Toffoli se posicionou a favor do BC na disputa. Em 2009, ele concordou com a mesma posição de parecer que foi assinado oito anos antes por Gilmar Mendes. Na época em que assinou o parecer, em 2001, Mendes também era advogado-geral. No texto, o hoje ministro do STF concluiu que, nas fusões e aquisições bancárias, a competência para julgar o impacto dos negócios no mercado, aprovando-os ou impondo condições à sua realização, é do BC.
Como o parecer de Mendes foi assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e não foi revogado por Lula nem por Dilma Rousseff, ele funciona como norma para toda a administração pública. Mas, o Cade concluiu que não deveria seguir essa orientação e sempre recorre à Justiça nos casos em que bancos alegam que não precisariam se sujeitar aos julgamentos do órgão antitruste.
Feita a polêmica, o fato é que há no STF dois ministros que, de acordo com o que fizeram no passado, teriam pré-disposição para votar a favor do BC e contra as pretensões do Cade quando o processo for levado ao plenário do tribunal para ser julgado.
Procurados, o BC e o Cade evitaram comentar o assunto. O Valor apurou que o órgão antitruste quer chegar a um consenso com o BC e defende uma divisão de tarefas na análise de fusões bancárias pela qual o BC ficaria responsável por julgar apenas os negócios que envolvem riscos ao sistema financeiro, enquanto o Cade ficaria com os demais.
Já o BC não concordou com essa divisão. No memorial enviado ao STF, a Procuradoria diz que o BC é o “órgão competente para atuar na defesa da concorrência”. “A questão posta nos autos, por óbvio, interfere diretamente na esfera jurídica da autoridade monetária. Ela diz respeito à amplitude de sua competência para funcionar como órgão de defesa da concorrência no setor econômico por ela supervisionado”, diz o memorial assinado pelo procurador-geral do BC Isaac Sidney Menezes Ferreira.
Para aumentar a polêmica, em suas últimas decisões envolvendo bancos, o Cade impôs restrições. Em março de 2012, ao julgar a associação da Mapfre com o Banco do Brasil, o órgão determinou a venda da carteira de seguros rurais da seguradora para a concorrência. Em setembro de 2011, abriu processo para investigar a prática de exclusividade na concessão de empréstimos consignados. Não há prazo para o STF julgar a questão.