Artigo: Jogatina na Bovespa passa à margem da realidade eleitoral

José Carlos de Assis
Jornal GGN

Os gordos especuladores brasileiros ou instalados no Brasil copiam os americanos em tudo, inclusive nas tentativas de manipulação do mercado financeiro com fins eleitoreiros. Esquecem-se apenas de um detalhe: a relação da Bovespa com a economia e a sociedade brasileiras está muito longe da relação entre a Bolsa de Nova Iorque e a sociedade americana. Lá, algo como 40% da sociedade tem algum tipo de aplicação direta ou indireta na bolsa. Aqui, a bolsa é uma espécie de mônoda especulativa bailando acima da economia e da sociedade.

Se a Bovespa mergulhar durante três dias seguidos numa queda de setenta por cento não acontece praticamente nada com a economia e, portanto, também com a sociedade. É um mercado secundário fundamentalmente especulativo, ou seja, uma espécie de esquema Ponzi institucionalizado, que não responde a qualquer estímulo objetivo da economia real. Claro, alguns fundos de pensão serão atingidos num primeiro momento. Mas fundos investem a longo prazo e têm gás para esperar a virada da onda especulativa, já que, em determinado momento, ela virá. Além disso, temos regras prudenciais que limitam as aplicações dos fundos em bolsas, o que funciona como adequada proteção a seus cotistas.

O ataque especulativo na bolsa, do tipo que derrubou em 10% as ações da Petrobrás anteontem sem nenhuma razão objetiva, só não é totalmente inócuo pela relação entre aplicações no mercado de ações e a remessa de dinheiro para o exterior. É que o esperto especulador vende ações na bolsa, pega o dinheiro e compra dólar para remetê-lo ao exterior. Com isso, pressiona o mercado cambial. O dólar sobe, o real se desvaloriza e muitas pessoas ficam nervosas pelo medo de algum efeito sobre a inflação. No entanto, alguém lá fora acabará concluindo que as ações na Bovespa estão muito desvalorizadas e o processo se reverte, anulando a onda especulativa.

A dança da bolsa serve apenas para intimidação da sociedade no momento da eleição. Isso aconteceu na primeira eleição de Lula e acontecerá sempre que a classe dominante entender que pode sair da sombra e assaltar diretamente o poder formal. Os amigos de Marina no Itaú, depois de parecerem tão próximos da vitória, devem estar desesperados pelo risco de morrerem na praia. Nesse contexto tudo vale. Inclusive simularem uma crise financeira para demonstrar que sua candidata favorita não deve perder, e que se perder a economia vai entrar em crise.

Acham que estou exagerando? Então me deem uma razão, uma pequena razão, uma razão sequer para as ações da Petrobras caírem 10% num dia. Acaso o lucro da Petrobras está na iminência de cair? Acaso alguma plataforma sofreu acidente? Acaso a produção de petróleo deixará de aumentar? Acaso mudou em alguma mínima escala a relação entre endividamento e patrimônio da empresa? Acaso o ritmo para produção do pré-sal tornou-se lento? Acaso existe alguma crise de governança na Petrobrás? Sim, nada disso aconteceu. O cara que vendeu a ação para desvalorizá-la fez uma jogada para recomprá-la na baixa um pouco adiante. Claro que no intervalo ajudou a fazer um clima pró-Marina entre os ingênuos.

Em termos objetivos, se a crise na bolsa de Nova Iorque é uma tragédia, aqui é uma farsa. Temos uma bolsa Ponzi, onde o lançamento de ações novas – isto é, ações que ligam a bolsa à economia real – é uma verdadeira raridade. O que temos normalmente é uma troca de chumbo entre especuladores que se aproveitam da volatilidade dos papéis, geralmente provocada. Situações eleitorais são propícias para lançar ações para cima e para baixo num jogo de especulação no qual, como numa pirâmide, os primeiro se safam com os lucros e os demais pagam. Portanto, que façam bom proveito do jogo. E nos deixem votar tranquilos.

José Carlos de Assis é economista, doutor pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB

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