Apesar da crise mundial, executivos dos bancos recebem bônus astronômicos

O Jornal Valor Econômico divulgou nesta terça-feira, 25 de agosto, levantamento com as 28 companhias abertas que enviaram seus relatórios anuais à comissão de valores mobiliários americana (SEC) e constatou que em 2008 os executivos engordaram seus bolsos com bônus astronômicos, como ocorreu aos administradores do setor financeiro.

Em julho deste ano, o Financial Times informou que o Citigroup e o Merrill Lynch, empresas que juntas perderam US$ 55 bilhões em 2008, pagaram gratificações de mais de US$ 1 milhão a um total de 1,4 mil funcionários, de acordo com um relatório do Estado de Nova York, sobre pagamento de bônus efetuados por bancos que foram sustentados com a ajuda de recursos dos contribuintes.

Segundo a matéria do Valor, desconsiderando os bancos da amostra (Bradesco e Itaú), cujos pagamentos são substancialmente maiores que o das empresas não financeiras, houve aumento ainda maior: 75% , para R$ 670,8 milhões. O relatório anual enviado à SEC é normalmente entregue no fim de junho pelas companhias.

Acompanhe abaixo a matéria na íntegra do Jornal Valor Econômico

Remuneração na crise

Graziella Valenti, de São Paulo

A crise pode ter acabado, como já propalam alguns economistas, mas os bolsos dos executivos ainda vão sofrer um efeito retroativo das dificuldades na economia. No ano passado, os gestores de companhias de capital aberto ainda viram bons ganhos com a remuneração, já que até setembro o ano foi excepcional. Mas os valores aprovados pelas assembleias gerais para este ano são sensivelmente menores.

Levantamento realizado pelo Valor com as 28 companhias abertas que enviaram seus relatórios anuais à comissão de valores mobiliários americana (SEC) mostra que 2008 foi gordo para os administradores.

O ganho dos executivos das empresas da amostra subiu 56% no ano passado, alcançando R$ 1,2 bilhão, ante R$ 796 milhões pagos pelas empresas em 2007. Os valores, em geral, somam os desembolsos com conselho de administração e com diretoria, incluindo salários e remuneração variável.

Desconsiderando os bancos da amostra (Bradesco e Itaú), cujos pagamentos são substancialmente maiores que o das empresas não financeiras, houve aumento ainda maior: 75% , para R$ 670,8 milhões. O relatório anual enviado à SEC é normalmente entregue no fim de junho pelas companhias.

Contudo, às vésperas de ser alvo de um substancial aumento da transparência, o assunto ainda é tabu. As companhias continuam respondendo com silêncio absoluto quando questionadas para dar explicações sobre variações nos números.

A operadora de telecomunicações Oi, por exemplo, não concedeu explicações sobre a variação mais expressiva da amostra, junto com a de Brasil Telecom (BrT), empresa que adquiriu no ano passado. Na Oi, o gasto com executivos subiu de R$ 16,4 milhões, em 2007, para R$ 70 milhões, em 2008 – um salto de 327%. Na BrT, o avanço foi ainda maior, passando de R$ 8,3 milhões para R$ 74,4 milhões.

Embora as empresas não tenham falado, já no ano passado, os analistas comentavam sobre os bônus pagos na Oi por conta do negócio. Na BrT, também em 2008, a empresa alertou sobre o aumento no desembolso para vencer o desafio de reter os executivos em meio a um processo de fusão.

Fernando Lohmann, sócio da Fesa, empresa especializada em gestão de recursos humanos, explica que embora os bônus sejam pagos, em geral, no fim do ano, o fato de 2008 ter sido bom até setembro fez com que as metas fossem alcançadas. “O ano foi bom até o terceiro trimestre.”

A análise de resultado das empresas do levantamento confirma a avaliação. A receita líquida das empresas, excluindo os bancos, subiu 19% em 2008, chegando a R$ 350 bilhões. O lucro operacional acumulado no ano também mostrou expansão de 18,5% dos negócios, apesar dos três últimos meses de susto, e somou R$ 70,3 bilhões. A última linha do balanço, contudo, foi afetada pela forte alta do dólar sobre a dívida exposta à variação cambial, e derrubou o lucro líquido do exercício em 12,5%, para R$ 48,8 bilhões.

Além disso, como tudo ia bem, as empresas estavam em crescimento também internamente. A Perdigão, hoje BRF-Brasil Foods, ampliou os gastos de R$ 13 milhões para R$ 18,4 milhões, na comparação entre 2007 e 2008, segundo o relatório enviado à SEC, pois o número de administradores subiu de 17 para 22.

Lohmann acredita que o impacto da crise sobre a remuneração ficará mais evidente em 2009. Ele lembrou que a discussão sobre o orçamento para os executivos e as metas para o ano normalmente começam em setembro. “O global tende a cair, por conta do variável”, disse, referindo-se à parcela que toma como base o desempenho dos negócios. Espera-se também enxugamento dos quadros, embora os especialistas alertem sobre a importância de se reter talentos para enfrentar crises.

Esses efeitos tendem a ser maior nas empresas que sofreram mais com a crise, como as exportadoras de commodities. Faz sentido que o ciclo dos ganhos dos administradores acompanhe o da empresa. Em 2008, por exemplo, os gestores da mineradora Vale ganharam 36% mais que um ano antes. Um total de US$ 33 milhões foi pago pela empresa, sendo US$ 24 milhões referente à fatia variável.

Um olhar sobre as informações já divulgadas pelas empresas indica esse caminho. Os valores aprovados pelas empresas nas assembleias gerais de acionistas para a remuneração deste ano é bem mais magro do que o verificado em 2008. Considerando os bancos, o total esperado para o ano é de até R$ 675 milhões. Excluindo as instituições financeiras, o número cai para R$ 405 milhões – valor que não inclui duas grandes empresas da amostra: Votorantim Celulose e Papel (VCP) e Gerdau, pois não divulgaram o agregado aprovado para o ano.

Além disso, a pouco informação disponível sobre esse tema deixa dúvidas no ar sobre a possibilidade de comparação entre os montantes aprovados nas assembleias para este ano e o total divulgado nos documentos encaminhados à SEC, referentes a 2008 e 2007.

Até o ano passado, a evolução na transparência da remuneração foi pequena, a despeito da força do debate especialmente após o estouro da crise, em setembro, e a polêmica sobre os milionários bônus pagos aos executivos dos bancos americanos. Nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França, entre outros países, já é pratica detalhar os ganhos por executivo. Mas em todos os países a adoção da divulgação foi polêmica e cercada de resistência pelas empresas.

No Brasil, o adicional veio da norma da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que diz respeito aos contratos com partes relacionadas – o que inclui os administradores e sua remuneração – e que faz parte do grupo de normas para o processo de convergência contábil com o padrão internacional IFRS. Além de iniciativas voluntárias, como a da Usiminas, que mostrou o quanto pagou aos seus principais executivos.

Até então, as companhias informavam, no máximo, o valor total gasto, sem qualquer detalhamento. Agora, já separam o que é pago ao conselho de administração e aos executivos, segregando a parcela fixa da variável. Mas os incentivos por trás dos valores, porém, ainda não são conhecidos.

A despeito do grande debate sobre a abertura dos ganhos individuais de executivos, é praticamente certo que a política por trás dos valores será conhecida a partir de 2010. A CVM pretendia, com a reforma da instrução 202 – que colocará o formulário de referência no lugar do IAN – dar abertura individual aos ganhos.

O mercado, contudo, mostrou-se, na maioria, contrário a essa exposição – sempre alegando que o conhecimento da estratégia dos pagamentos é mais relevante.

O entendimento final da CVM deve ser conhecido entre o fim deste mês e o começo de setembro.

Os executivos, especialmente, temem quanto à segurança. Nildemar Secches, co-presidente do conselho de administração Brasil Foods, entende que a abertura individual de salários não agrega em informação aos investidores e ainda cria dilemas de segurança.

Mas queiram as companhias ou não, a pressão sobre transparência e explicações quanto à remuneração tende a crescer. No Encontro de Conselheiros deste ano, por exemplo, a Previ (Caixa de Funcionários do Banco do Brasil), maior fundo de pensão do país com R$ 130 bilhões em ativos , levou a discussão ao seu exercito de conselheiros. A fundação está avaliando o assunto de perto. Por enquanto, procura incentivar, sempre que possível, a instalação de um comitê de recursos humanos para assessorar o conselho de administração na análise do tema.

O presidente do fundo de pensão, Sérgio Rosa, não quis detalhar o que está em debate, mas admitiu que o assunto está em discussão internamente. “Estamos vendo o que dá para fazer.”

O assunto também está no radar da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Guilherme Dale, sócio fundador da SpencerStuart, consultoria especializada no assunto, acredita que quando a remuneração estabelecida é justa para todos os envolvidos pode ser exposta e defendida publicamente. “Nada melhor do que a luz do sol.” Quando se refere aos envolvidos, ele considera desde o executivo contratado, inclui a companhia e vai até os acionistas. Tanto Dale como Lohmann enfatizam a importância de os conselhos de administração cuidarem atentamente do tema remuneração.

O sócio da Fesa rebateu outro argumento das empresas contra a divulgação, que alegam que a informação poderia promover a competição entre os executivos e levar a um aumento dos pagamentos. Segundo ele, não há como um profissional querer valer mais do que o mercado está disposto a pagar pelo seu serviço. “O mercado é soberano nesta questão.”

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