Faltando poucas semanas para o fim da validade da lei que estabelece cotas de 20% para negros e indígenas nos concursos públicos federais (nº 12.990/2014), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, atendeu a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) dos partidos PSOL e Rede, que prorroga a validade da regra atual, até que o Congresso conclua a decisão para uma nova lei, que já foi aprovada no Senado, mas que ainda precisa tramitar na Câmara dos Deputados, para depois ser levada à sanção do presidente da República.
A Lei 12.990/2014, em vigor, foi aprovada para ter validade por dez anos, portanto teria vigência até o próximo 9 de junho. Porém, agora, com a decisão de Dino, a data fixada legalmente pela norma passa a ser considerada um “marco temporal”. Assim, as cotas de 20% em concursos públicos para negros e indígenas “permanecerão sendo observadas até que se conclua o processo legislativo de competência do Congresso Nacional e, subsequentemente, do Poder Executivo”, destacou o magistrado.
O secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Almir Aguiar, avalia as atuações, tanto dos partidos, quanto de Flávio Dino, como fundamentais na luta para garantir as ações afirmativas.
“Foi um contragolpe, podemos dizer, à manobra da extrema-direita no Congresso”, ressaltou ele, ao lembrar que o texto do Senado (Projeto de Lei 1.198/2021) passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no dia 8 de maio e seguiria diretamente para a Câmara dos Deputados. Mas a oposição apresentou recurso, e levou o documento para a análise ao Plenário, que ocorreu no dia 22 de maio.
“Ainda que tivesse seguido logo para a Câmara e, ali, demorasse para tramitar, a ponto de a Lei atual expirar no dia 9 de junho, teríamos mais tempo. Com a manobra feita pela oposição, contrária às cotas, o tempo restante estava ainda mais escasso. Mas, felizmente, o STF acatou a ADI que estende a validade da lei atual, até a formulação da uma nova”, observou Almir.
O papel das cotas e o texto do Senado
O texto em discussão no Congresso, e que deve estabelecer por mais dez anos o sistema de cotas em concursos públicos, foi originalmente apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), mas o PL 1.198/2021 aprovado pelo Senado é um texto alternativo do relator Humberto Costa (PT-PE).
Caso o documento, que traz como novidade a ampliação de 20% para 30% as vagas disponíveis para negros e indígenas em concursos públicos, sofra mudanças na Câmara dos Deputados, retornará ao Senado para, novamente, ser submetido à votação.
“Cotas raciais, para as populações negras e indígenas, significam reparação histórica. São ações afirmativas necessárias para avançarmos na igualdade de oportunidades, em todos os espaços da sociedade, oportunidade esta que nos foi retirada porque ainda vivemos um sistema que privilegia um grupo racial em detrimento de outro, calcado num processo histórico que prejudicou socialmente aos negros e aos indígenas”, reforça Almir Aguiar.
O secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT destaca também que o sistema de cotas, “seja para serviços públicos ou para o acesso às universidades públicas”, é necessário para combater a existência de um viés inconsciente e que ajuda a manter o racismo estrutural. “Melhorar a diversidade em todos os espaços é combater o pensamento que mantém esse racismo estrutural”, conclui ao lembrar que brancos não são mortos por serem brancos, nem seguidos em lojas por sempre brancos, ao contrário do que ocorre, diariamente, com a população preta e parda.
No setor financeiro
O movimento sindical está em ano de renovação da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) dos bancários. “Nossa categoria se tornou referência em levar o debate sobre diversidade e igualdade de oportunidade às mesas de negociação. Também porque realizamos, periodicamente, sensos e que revelam a diferença salarial e de oportunidade de ascensão tanto da mulher em relação ao homem, quanto dos trabalhadores negros em relação aos trabalhadores brancos”, explica Almir Aguiar.
Um desses levantamentos, realizados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base em dados de 2021, revelou que a mulher preta bancária ganha, em média, 40,6% menos que o bancário branco do sexo masculino. O mesmo trabalho apontou que pretos, pardos e indígenas ocupam, respectivamente, 2,5%, 16,8%, 0,1% dos cargos de liderança, enquanto 77,2% desses postos são ocupados por brancos.
“Uma das nossas reivindicações, como movimento sindical, é por mais contratações para negros e negras no sistema financeiro, ou seja, ampliar a representatividade também no setor privado. Porque, como vimos, no sistema bancário o percentual de negros e negras ainda é muito pequeno, e a cor da pele chega a ser um dificultador para a ascensão profissional”, pontua Almir ao lembra que existem avanços no quadro de bancos públicos, tanto por conta da legislação dos concursos públicos, em vigor desde 2014, quanto por conta dos avanços nas mesas de negociação do movimento sindical com as empresas.
No Banco do Brasil, por exemplo, existe a meta de 30% de pretos, pardos, indígenas e outras etnias sub-representadas em cargos de liderança, até 2025. Em março deste ano, o percentual da meta já estava em 27,6%.