O Estado de S.Paulo
Fernando Nakagawa
O boom das operações com juro no cartão de crédito acendeu a luz amarela nos bancos. O temor principal é que o recorde de operações se transforme em uma explosão da inadimplência caso mude o rumo da economia.
Há, porém, outro fenômeno que surpreendeu banqueiros: o uso do dinheiro de plástico pelos clientes de menor renda. Parte desses consumidores estreantes no mercado tem enfrentado dificuldade em entender o funcionamento desse meio de pagamento. A situação preocupa instituições financeiras.
Boa parte dos milhões de cartões emitidos nos últimos anos foram para o bolso de clientes da chamada nova classe média. Muitos nunca haviam tido contato com o meio de pagamento. A estreia desses consumidores, que foi amplamente comemorada pelo mercado, tem trazido alguns empecilhos aos bancos.
Casos não faltam. Há consumidores que acham que só precisam pagar o valor descrito no campo “pagamento mínimo”. Outros sacam dinheiro do cartão para ajudar em compras que têm financiamento mais barato, como material de construção ou carro usado.
Educando o cliente. Aparentemente, a situação parece boa para os bancos já que o cartão cobra o maior juro do mercado. Mas a natureza dos casos tem causado desconforto nos bancos que temem que o uso inadequado cartão possa comprometer tanto o cliente a ponto de o consumidor perder a capacidade de honrar a dívida. Assim, a operação que daria um grande lucro vira prejuízo.
Para tentar evitar o problema, bancos passaram a ser mais agressivos na tentativa de “educar” clientes.
O Santander iniciou campanha que explica que toda compra tem uma linha de crédito adequada. Diz, por exemplo, que há empréstimos para períodos curtos que funcionam como um táxi, que é usado para distâncias menores. “Você iria de táxi de São Paulo a Recife?”, questiona o comercial exibido em horário nobre.
O Itaú tem publicado pequenas cartilhas em revistas populares com dicas simples para evitar descontrole de gastos como “usar comandas individuais em bares”.
“A intenção é evitar transformar o cliente em uma arma. As instituições entenderam que se o consumidor usar o crédito de forma inadequada ou tiver uma vida financeira desorganizada, a vítima será o próprio banco”, diz Rodrigo Del Claro, diretor da Crivo, consultoria de análise de risco que presta serviço ao sistema bancário.
“Os recados são para os novos clientes das classes C e D. Os bancos estão com medo de inadimplência desse pessoal”, completa Del Claro.
Explicação psicológica. Já que o juro não explica a troca do cheque pelo cartão, alguns especialistas passaram a buscar outras razões para o fenômeno. O professor de finanças pessoais do Insper, Ricardo José de Almeida, afirma que muitos clientes preferem “reservar” o limite do cheque especial para emergências.
“Quando o cliente não tem dinheiro para pagar o cartão, opta em usar o rotativo porque quer manter o limite da conta corrente para emergências. O raciocínio é que o cartão nem sempre é aceito em uma urgência, como no médico ou em uma oficina”, diz.
Há ainda a percepção de que usar o rotativo ou sacar dinheiro do cartão são ações “menos graves” que enxergar o saldo negativo da conta.
É um efeito meramente psicológico. “Infelizmente, clientes não olham os juros. Porque a escolha racional seria optar pelo menos alto, que, nesse caso, é o cheque”, lamenta.
Para o especialista, o movimento é preocupante. “É um dinheiro caro, o mais caro disponível nos bancos. Em uma situação de reversão da econômica, o juro alto pode, facilmente, transformar a dívida que aparentemente é administrável em uma bola de neve incontrolável”, diz.