CUT
Paula Brandão
Domingo – 8 de março de 2009 – Milhares caminharam sob sol forte, outras, sob chuva, frio, calor. Acordaram cedo. Algumas viajaram por horas, outras, nem dormiram. Elas têm todas as raças, cores, etnias, idades, profissões, ocupações, orientação sexual, sotaques – dores e alegrias. São diferentes, como todo mundo e por isso, são iguais! Unidas pela Igualdade, lá estavam Marias, Rosas, Cecílias, Beatrizes, Carolinas e tantas outras, escrevendo mais uma parte de uma história marcada por uma trajetória de luta por uma sociedade justa e igualitária.
No dia símbolo da luta das mulheres por igualdade, a CUT marcou presença nas atividades realizadas em todos os estados do país e na fronteira Brasil/Uruguai, em evento internacional organizado pela Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), a qual Central faz parte, e que abrange mulheres trabalhadoras do Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai.
“Igualdade de oportunidades e de salários entre homens e mulheres”, “Combate à violência contra a mulher” e ‘Soberania alimentar” foram os principais eixos das manifestações. Em Santana do Livramento (RS – Brasil) e Rivera (Uruguai), mais de 5 mil mulheres (e homens, houve um aumento significativo em relação 8 de março anterior), lideranças e militantes dos movimentos sindical e social, reuniram-se em um grande ato na fronteira, intitulado “um outro Mercosul é possível”.
As atividades tiveram início no sábado, dia 7, com uma marcha na parte da manhã nas ruas que circundam a fronteira das duas cidades. Os quarteirões da região, marcada pela violência “sem fronteiras” contra as mulheres, palco de assassinatos, estupros e espancamentos impunes por conta de leis diferentes, aos poucos receberam cores, impressas nas faixas, cartazes, no lilás das roupas e acessórios, nos balões e nas bandeiras, e logo despertaram a atenção da população das duas cidades, para uma realidade tão grave, cuja mudança não pode mais esperar.
Na parte da tarde, ainda no sábado, as mulheres participaram de oficinas autogestionadas, realizadas nas duas cidades. A Oficina da Comissão de Mulheres da CCSCS abordou o tema Igualdade Salarial e contou com a participação do DIEESE, que apresentou como subsídio para o debate o PED – Especial 8 de março, que traz dados sobre a mulher e o mercado de trabalho da região metropolitana de Porto Alegre. Os resultados da pesquisa demonstraram os altos índices de desigualdade e discriminação, agravadas pela crise internacional, e fomentaram as discussões e o intercâmbio de informações. A pesquisa completa realizada pelo DIEESE foi feita em São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Salvador e no Distrito Federal.
A madrugada de 8 de março movimentou ainda mais a cidade com a chegada de inúmeras caravanas, com delegações de trabalhadoras de vários estados, representando as mais diversas categorias e ramos de atividade. Por volta de 10h00, as mulheres lotaram o Teatro Municipal de Rivera para apresentação e aprovação Carta das Mulheres do Cone Sul, documento que exige dos dois Governos, ações urgentes para superar as desigualdades entre homens e mulheres, combate à violência, dentre elas, o estabelecimento de uma lei e de um protocolo de extradição comuns. (Leia a carta ao final da matéria).
Após a leitura do documento, as mulheres apresentaram ações para intensificação da luta pela descriminalização do aborto. Além da confirmação de uma grande mobilização e lançamento de uma campanha de intensificação da luta para o dia 17 março, a CUT apresentou uma Nota ao arcebispo de Pernambuco Dom José Cardoso Sobrinho, assinada pelos movimentos presentes, repudiando suas declarações amplamente divulgadas sobre o caso de pedofilia e estrupro envolvendo uma menina de nove anos, que engravidou em decorrência da violência e corre risco de morte. (Leia a nota ao final da matéria).
Pouco antes do início da tarde, as mulheres seguiram em marcha do Teatro em direção ao Parque Internacional, para a realização do ato político-cultural do 8 do março. Ao som de rimas com palavras de ordem, as mulheres caminhavam aguerridas com suas lutas, enquanto eram saudadas pelos moradores que as receberam com boas-vindas, respeito e esperança de que esta luta pode trazer mudanças.
Enquanto as representações políticas subiam ao palco montado no marco da fronteira, atrações musicais dos países presentes animavam o público. A companheira Bel – Maria Izabel da Silva (CUT-SP), que se apresentou com voz e violão, foi acompanhada por um animado coro formado pelas brasileiras presentes, que cantaram juntas músicas que marcam a luta feminista.
A secretária Nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, ao lado da secretária de mulheres da Contracs, conduziram o ato, que além das/dos representantes da CUT, UGT, CTB, CTA, PIT-CNT e CSA – centrais que compõem a CCSCS – teve a presença de representantes dos Governos do Brasil e do Uruguai, do legislativo dos dois países e dos prefeitos das duas cidades. Também estiveram presentes a Deputada Emília Fernandes (PT-RS), presidente do Fórum de Mulheres do Mercosul; Célia Costa, pela Internacional de Serviços Públicos (ISP); e representante da Marcha Mundial de Mulheres (MMM).
Este 8 de Março certamente ficará marcado na história da luta das mulheres do Cone Sul, declarou Rosane Silva, secretária nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT que representou a Central Única dos Trabalhadores no ato. “Reunimos milhares de pessoas nesta manifestação que unificou as forças dos movimentos sindical e feminista na luta por igualdade entre homens e mulheres, pelo fim da violência contra as mulheres e a impunidade, pela legalização do aborto e por uma sociedade de fato justa. Para mudarmos o mundo, é preciso mudar a vida das mulheres, e as mulheres demonstram em Santana do Livramento que estão unificadas e organizadas para de fato construirmos esse outro modelo de sociedade”, afirmou.
Quintino Severo, secretário geral da CUT, presente no ato, avalia que “a manifestação realizada na fronteira é um importante passo para ações de combate aos crimes de violência contra a mulher nessa região e um protocolo entre os dois países, uma vez efetivado, será sem dúvidas uma referência não apenas para o Brasil, Uruguai e países do Cone Sul, mas para todo o mundo”.
Carta das Mulheres do Cone Sul
No Dia Internacional de Luta das Mulheres, nós, trabalhadoras dos países que constituem o Cone Sul (Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai), reunidas na fronteira Brasil/Uruguai, reafirmamos a luta feminista por justiça, em defesa da igualdade entre homens e mulheres e pelo fim da violência contra as mulheres!
O projeto neoliberal implantado ao redor do mundo levou os países a uma crise sem precedentes e os seus efeitos já começam a se fazer presentes, especialmente sobre as mulheres, principais vítimas do desemprego, do trabalho precário e da falta de políticas públicas. Para superar esta crise e os seus efeitos precisamos construir um outro modelo de sociedade, diferente do atual, onde a vida e o corpo das mulheres são tratados como mercadoria, nosso trabalho é o mais precário, a violência sexista continua vitimizando milhares de mulheres cotidianamente e o trabalho reprodutivo e de sustentabilidade da vida humana, ainda é responsabilidade somente da mulher.
Apontamos a necessidade de construirmos um outro modelo, onde a valorização do trabalho seja sinônimo de emancipação e as mulheres tenham autonomia sobre seus corpos e também autonomia econômica.
A situação das mulheres por todo o mundo não é diferente. Nossa jornada de trabalho é cada vez maior, recebemos em média 30% a menos do que os homens, continuamos sendo as únicas responsáveis pela casa, pela família e pelo cuidado e educação dos filhos, além de ainda estarmos distante dos espaços de poder e decisão.
Denunciamos:
A situação das mulheres no mercado de trabalho que apresenta características que se configuram em desigualdades. Os homens recebem 30% a mais que as mulheres em funções iguais (mesmo quando as mulheres têm mais escolaridade). As mulheres também representam 70% dos excluídos da Previdência Social, e são a maioria entre os desempregados. As mulheres são maioria absoluta no mercado informal (aquele exercido de forma mais precária, sem direitos nem regulação). A discriminação no mercado de trabalho reflete-se também em outras práticas discriminatórias, como assédio moral e sexual.
Todas as formas de violência contra as mulheres. Somos constantemente alvos da violência, e na maioria das vezes ela é praticada por pessoas próximas da vítima. Estamos em ato na fronteira Brasil/Uruguai justamente porque este é um local onde ocorrem muitos
casos de violência, como estupros e agressões e, por ser um local de fronteira, os agressores acabam por ficar impunes. Denunciamos também o não cumprimento de leis que coíbam a violência, punam dos agressores. Necessitamos da efetiva implantação de Juizados Especiais de Atendimento às Vítimas da Violência Doméstica, Delegacias da Mulher, Redes de Atendimento às mulheres em situação de violência e Casas de Passagem. Necessitamos enfrentar o turismo sexual e o tráfico de mulheres, a exploração sexual, a prostituição, e o trabalho escravo.
O descaso com a saúde integral das mulheres adolescentes, jovens, adultas e na terceira idade. As mulheres que recorrem ao aborto inseguro como única alternativa para interromper uma gravidez não desejada e continuam sendo perseguidas e criminalizadas.
A ausência de creches, que para além de negar um direito da criança, impede o acesso e a permanência das mulheres no mercado de trabalho.
A desvalorização da Economia Solidária e dos valores da solidariedade, da ética, da democracia e da autogestão, da construção coletiva, da transparência, da igualdade de direitos entre os gêneros, e a desvalorização do meio ambiente e do compromisso social;
A inexistência de uma política de Reforma Agrária que ponha fim ao latifúndio improdutivo;
A violação dos direitos humanos das mulheres presas e de jovens em situação de conflito com a lei.
A discriminação das mulheres por sua orientação sexual, pela sua raça ou etnia, idade ou aparência.
A criminalização dos movimentos sociais.
É por isso que lutamos!
Lutamos por um outro Mercosul que seja resultado de um processo de integração produtiva e social e com a participação igualitária das mulheres, em especial com a criação do Instituto do trabalho do mercosul.
Lutamos para superar as desigualdades de salário e de oportunidades entre homens e mulheres e pelo direito ao trabalho, com garantia de direitos trabalhistas e sociais estendido aos trabalhadores migrantes.
Lutamos por políticas públicas para as mulheres, pelo direito de acesso à terra, por soberania alimentar, pela legalização do aborto e pelo combate à violência contra a mulher em todas as suas formas.
Neste sentido, nós, mulheres do Cone Sul, vimos neste momento de luta do 8 de março exigir dos Governantes de nossos países:
1. Estabelecimento de indicadores de geração de emprego para as mulheres nos diversos setores da economia, tendo como objetivo o trabalho decente, com igualdade de salários, de oportunidades e de tratamento;
2. Indicadores de equidade de gênero para contratação, funções e ascensão profissional nas empresas, com prazos definidos e processos claros de avaliação com a participação dos trabalhadores/as;
3. Criação de um marco legal adequado em matéria de igualdade de oportunidades e de tratamento, que contemple todos os trabalhadores e trabalhadoras, incluindo as trabalhadorases domésticasos, temporários, rurais e imigrantes;
4. Implementação de políticas afirmativas que coíbam a discriminação de gênero, raça/etnia, geração, orientação sexual e deficiência nos espaços do trabalho e da sociedade;
5. Políticas de incentivo à permanência dos jovens nas escolas até a conclusão de sua formação educacional regular;
6. Garantia em lei da ampliação da licença maternidade e paternidade;
7. Ampliação do número de vagas em creches públicas;
8. Implantação de escolas públicas em tempo integral para todas as crianças;
9. Garantia do aborto legal e seguro nas redes públicas de saúde;
10. Ampliação das políticas de combate à violência contra a mulher e estruturação das casas abrigo.
11. Instituição de um protocolo de extradição comum para tratar dos casos de violência sexista nas áreas de fronteiras.
12. Garantia do respeito aos direitos sexuais e reprodutivos, como a livre escolha dos métodos de contracepção, acesso à informação e aos métodos de prevenção às DSTs e Aids;
13. Por Reforma agrária, por políticas públicas de agricultura familiar, e pelo estabelecimento do limite de propriedade privada;
14. A ratificação da Convenção 102 da OIT que trata da Previdência Social.
15. Revisão da Declaração Sócio Laboral para que torne-se de fato um instrumento dos direitos da classe trabalhadora.
16. Ratificação em todos os países do Cone Sul da convenção 156 da OIT que trata das responsabilidades familiares, assim como a criação de instrumentos que viabilizem a sua implementação.
Seguiremos em nossa luta por igualdade, e exigimos de nossos Governos políticas de Estados para a efetiva implantação de nossas deliberações!
Nota de repúdio ao Arcebispo de Pernambuco Dom José Cardoso Sobrinho
Nós mulheres dos movimentos sindical e feminista, reunidas neste 8 de março, dia internacional de luta das mulheres, na fronteira Brasil/Uruguai repudiamos veementemente as declarações feitas pelo Arcebispo de Pernambuco, representante da Igreja Católica naquele Estado.
A violência contra as mulheres, infelizmente tem se tornado cada vez mais freqüente, e ocorre principalmente no espaço doméstico e por pessoas de confiança das vítimas. Cotidianamente meninas e mulheres são violentadas e a Igreja se omite diante destes escandalosos acontecimentos.
Os assassinatos de mulheres, os estupros e a violência sexual contra meninas e mulheres nunca foram alvos de uma ação e preocupação por parte da Igreja Católica. Pelo contrário, quando o assunto é ‘mulheres’ esta mesma Instituição manifesta-se somente com posições contrária a autonomia das mulheres, especialmente quando se refere ao direito de decidir sobre seus corpos e suas vidas. A Igreja Católica discrimina, persegue, pune e abandona as mulheres mesmo quando a gravidez é fruto da violência sexual e a vítima é uma criança de nove anos.
Condena uma menina ao dizer que é crime uma criança de nove anos interromper uma gravidez fruto de estupro, mas não condena o homem que a estuprou, e também a sua irmã, desde os seis anos de idade.
Defendemos a legalização do aborto para que as mulheres e meninas não morram e não sejam criminalizadas. Exigimos a punição dos agressores.