CUT: Bancários garantem aumento real e melhor PLR

Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, Vagner Freitas, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/CUT) e membro da executiva nacional cutista faz uma análise da greve dos bancários e do “heroísmo” da categoria no enfrentamento ao “conluio dos banqueiros com a Justiça do Trabalho”. Além de conseguir reajuste real de 3% para a maioria da categoria, a greve conquistou aumento do piso salarial e melhorias na PLR. Apesar do fantasma da crise e da aliança do PSTU com os banqueiros, bancários mantiveram-se unidos e construíram a vitória.

Qual a sua avaliação da recente greve?

Os bancários e as bancárias foram heróicos. Normalmente eu não utilizo a expressão vitoriosa em campanha salarial, pois na maioria das vezes tem um caráter ufanista. Na relação capital e trabalho o que você tem é melhores campanhas para o trabalhador em determinados anos ou para o capital em outros, mas que no geral não significam vitórias ou derrotas. Neste caso é diferente. Considero que a campanha de 2008 foi uma vitória para a categoria porque enfrentou uma das maiores crises do setor financeiro do mundo inteiro, de cunho internacional, mas que já chegava nos bancos no Brasil com muita intensidade. Nós tivemos a delicadeza de, no decorrer da campanha salarial, não estabelecer nenhum tipo de comentário que pudesse ser desairoso para a saúde do sistema. Alguns irresponsáveis do PSTU chegaram a divulgar ao longo da nossa campanha a possibilidade de bancos grandes quebrarem, numa aliança extraordinária com o patrão. Primeiro, porque esse tipo de informação desarticula o trabalhador de determinado banco de continuar no movimento e também porque é um argumento espetacular para que ele não conceda nenhum benefício, pois diante da ameaça de quebra, a prioridade do sistema passa a ser outra.

O fantasma da crise foi usado pelos banqueiros?

Nós tivemos um enfrentamento contra essa crise. O tempo todo dissemos que é verdade que ela existe, mas também é fato que a crise para alguns bancos grandes é possibilidade de crescimento, pois vai ter uma concentração ainda maior. Grande parte da categoria, mais de 90%, está concentrada em oito bancos: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Banco Real, Santander, Unibanco e o HSBC. São bancos com boa situação nacional e internacional, são grandes empresas mundiais ou nacionais que têm condições para absorver qualquer impacto. Foi uma campanha difícil, onde muitos nos aconselhavam a tirar o pé do acelerador, pela dificuldade de conjuntura. Mas nós dissemos que não, pois os bancários são ousados, precisam percorrer sua trajetória, com responsabilidade com a conjuntura, mas sem que ela arrefeça a sua luta por melhores condições de salário e de trabalho.

Como a categoria avalia a greve?

Para mais de metade da categoria, 57% da categoria, foi a melhor campanha em saldo econômico dos últimos dez anos. Porque nós tivemos 10% de reajuste, ou seja 3% de aumento real, com variação de 33% sobre a inflação, algo que não tínhamos obtido nem quando a situação econômica estava mais favorável. Para outra parcela da categoria, houve aumento real de 1%, acompanhada de uma mudança extraordinariamente importante na regra básica da Participação nos Lucros e/ou Resultados, que nós deslocamos de 80 para 90% do salário do trabalhador o que ele vai receber. Também deslocamos o teto salarial do máximo de 2 para 2,2 salários, o que também permite que ele tenha uma PLR na regra básica muito melhor do que a dos últimos anos. E até mais favorável para esse trabalhador que não pegou os 10%, apenas os 8,15%, numa compensação para demonstrar a relação de respeito e compromisso que nós temos com a categoria toda. Fizemos uma inflexão este ano por conta da dificuldade conjuntural da campanha, onde fomos vitoriosos pois valorizamos os índices, os pisos, os trabalhadores com renda mais baixa, que é uma característica do sindicalismo, mais a valorização da PLR, também beneficiando os trabalhadores que recebem acima de R$ 2.500,00.

Afora a manipulação do risco da crise, quais os principais problemas enfrentados na condução do movimento?

Os bancos contaram o tempo todo com a manipulação de informações sobre a crise, mas também com uma aliança que foi muito prejudicial entre banqueiros e Justiça do Trabalho.

Como foi isso?

A Procuradoria Pública do Trabalho de São Paulo ingressa com pedido de dissídio de greve, não de dissídio econômico, determinando que 70% dos locais de trabalho teriam de permanecer abertos durante a greve. Marca uma audiência de conciliação, estabelece um prazo para que os trabalhadores de São Paulo voltem ao trabalho, caso contrário seria feito um julgamento de caráter econômico e não de dissídio de greve. Uma intervenção extraordinariamente incompetente, descabida da Justiça do Trabalho na livre negociação entre patrões e empregados. Nós não temos a menor dúvida de que teve o dedo da Fenaban e dos banqueiros em tal postura. O que deixa muito claro isso é que depois da manifestação que a própria Fenaban faz em resposta à solicitação e à proposta de conciliação do Tribunal, ela se manifesta dizendo que nós não voltamos ao trabalho, descumprindo a solicitação do Tribunal, e pedindo ela – e aí entra diretamente a vinculação da Fenaban com a Justiça do Trabalho – que seja citado no corpo da peça, além do Sindicato de São Paulo, da Federação de SP e MS, a Contraf, a Fetec, de São Paulo, e insinua que como a Contraf é de caráter nacional que esse dissídio deveria ser levado para o TST. Ou seja, a Fenaban em conluio explícito com o poder normativo da Justiça do Trabalho para arrefecer a nossa greve.

Queriam levar a decisão para o tapetão…

Era clara a intenção dos banqueiros, inclusive do governo, do setor público, de carregar essa campanha para um desfecho nos tribunais, no TST. Em geral se isso acontece, os julgamentos no TST são desfavoráveis ao extremo para o trabalhador. As informações que nós tínhamos que teríamos simplesmente a recomposição do INPC, não teria aumento real de salário. Inclusive porque na questão da PLR o TST nem tem se manifestado, seria apenas em relação aos índices. Ou seja, era uma forma que os bancos, públicos e privados, tinham de baratear a renovação do acordo contratual dos trabalhadores. Nós lutamos contra isso o tempo todo, medindo a greve, colocando peso na greve e organizando a greve, mas tentado saber a hora de saída para que o resultado do processo fosse em mesa de negociação. Não deixamos que uma saída equivocada da greve abrisse brecha para que os bancos e o governo encerrassem as negociações e ingressassem com o dissídio no TST. Por isso que nós do comando indicamos a aceitação dessa proposta de 10% e 8.15%, de valorização da PLR e de não-desconto dos dias parados, que foi outra negociação importantíssima. Porque o setor público federal, os bancos do governo, queriam de qualquer maneira descontar os dias e nós conseguimos que houvesse a possibilidade de compensação, porque fizemos acordo com a Fenaban. Se dependesse da Caixa e do BB os dias seriam descontados. Então, nós fizemos um acordo que teve aumento real de salário, valorização dos salários mais baixos, mudança importante na regra básica da PLR e que teve o não-desconto dos dias parados. O que nós discutimos com a categoria é que se não tivéssemos feito o acordo naquele patamar, a partir daí a greve entrava numa nau sem rumo, porque a capacidade que ela tinha de movimentar a proposta havia chegado ao limite. Tínhamos bancos com 13 outros com 20 dias parados, portanto uma greve longa no sistema todo. Avaliamos que a proposta era aceitável e o momento adequado para terminarmos a greve unidos, como entramos. Esta foi a concepção da grande maioria das assembléias, onde 90% dos sindicatos aceitaram a proposta, 100% no setor privado e no Banco do Brasil e uma parcela aceitando na Caixa e outros não. Hoje ainda há Sindicatos grandes paralisados, mas já não é mais uma greve da categoria, mas de uma única empresa. Já marcamos a assinatura do acordo no dia 29, às 15 horas, na sede da Fenaban.

Afora essa tentativa de esvaziar o movimento com a obrigação de manter 70%, houve também o problema do interdito proibitório. Como é que se deu?

O interdito proibitório é uma coisa estúpida. Ele é um instrumento jurídico que originalmente, e já equivocadamente, era usado para reintegração de posse em conflito agrário. Ele foi trazido para o setor urbano, nos bancários, através da força dos banqueiros e ao conluio que eles têm com o poder judiciário, estabelecendo multas de 100 mil reais dia, chegando neste ano a uma inovação mais atroz, com multas aos próprios presidentes dos sindicatos. O presidente do Sindicato dos Bancários da Paraíba foi notificado com multa de 20 mil reais, num claro e evidente descumprimento da lei de greve, uma ação absolutamente inconstitucional.

Uma completa arbitrariedade…

A greve é um direito garantido na Constituição da República. O interdito proibitório impede a manifestação, impede o exercício dos sindicatos terem a possibilidade de abordar o trabalhador no convencimento para adesão ao movimento. Isso faz parte da democracia. O interdito estabelece que o sindicato tem que ficar a xis metros de distância do estabelecimento, que não pode colocar faixas, não pode fazer abordagens, um retrocesso ditatorial que descumpre a Constituição da República. Nossos sindicatos também heroicamente entenderam que o direito de greve é uma lei e não se curvaram a esse tipo de postura que tenta nos inibir e coibir. Nós fomos para cima, enfrentamos os interditos proibitórios e conseguimos inclusive algumas vitórias na justiça, resultado da insistência dos nossos sindicatos, que encararam o problema de cabeça erguida entendendo que o interdito é impróprio para questões sociais, para conflito trabalhista. Vários juízes, que desde já parabenizamos, deram sentenças em nosso favor, colocando em xeque o interdito proibitório, o que é outra vitória da nossa greve.

Foram vários obstáculos superados…

Somando a questão dos interditos proibitórios, a crise financeira, a ação violenta e truculenta da polícia militar na repressão a greve, com todo seu aparato, e mais a conjuntura difícil, conseguimos ter uma greve que contou com a maior participação das trabalhadoras e trabalhadores desde 1981. Contou com uma característica fantástica, voltou a ser uma de categoria e não de corporação. Não foi uma greve do Banco do Brasil e dos empregados da Caixa Econômica, foi uma greve dos bancários e bancárias – o setor privado participou com muita força. Aqui em São Paulo, por exemplo, a greve no Unibanco, no Itaú e no Real foi maior do que qualquer outro. É por isso que tivemos uma proposta boa, porque se o setor privado não está na greve, a Fenaban, que é uma entidade do setor privado, se desinteressa pela negociação, se aproveitando até do ponto de vista mercadológico e concorrencial quando ela se limita aos bancos públicos.

Como se construiu esta somatória com os trabalhadores dos bancos privados?

Esse ano os nossos sindicatos entenderam que era necessário fazer o movimento em todos os bancos e direcionamos para o setor privado, já que, nós temos uma cultura, de mobilização mais aguçada no setor público. Então fomos para o setor privado e conseguimos estabelecer uma mobilização que, somando o público e privado, propiciou a proposta. Se fosse só setor público, muito provavelmente teríamos uma campanha aberta onde o setor privado fecharia com a Fenaban e o setor público, com o Banco do Brasil e a Caixa Federal. Era isso que os bancos queriam – quebrar nossa unidade. Ia ficar mais barato para os banqueiros da rede privada e mais barato para o BB e a Caixa. A unidade de força dos bancários, entrando e saindo de uma campanha juntos, propiciou que tivéssemos uma mobilização muito mais favorável.

O lucro do sistema financeiro foi espetacular nos últimos anos, mas apesar disso houve muito choro na hora do aumento. Qual é a verdade?

Ou os bancos mentem nos balanços, porque os balanços semestrais continuam cada vez maiores comparados ao mesmo período do ano anterior, ou não há um resultado mais cabal do setor financeiro. É um dos argumentos que nós utilizamos na campanha: ou o banco está lucrando muito ou está mentindo para a sociedade e mentindo para o acionista. Isso não quer dizer que não existam dificuldades em alguns bancos. Mas o fato é que os bancos não divulgaram nenhum tipo de prejuízo, nem tem informado nada para o governo. O próprio presidente Lula tem afirmado que, em comparação com o sistema financeiro norte-americano, o brasileiro tem mais saúde, é mais organizado. Ao mesmo tempo, os bancos vêm na discussão interna com os bancários dizer que não pode dar aumento porque está em crise. Aí nós perguntamos: a crise só aparece na hora da concessão do aumento ou é de credibilidade do sistema e, portanto, a minha conta está em risco e a rentabilidade do acionista também. Isso eles nunca disseram, pois a verdade é que continuam com altos lucros, resultados bastante favoráveis e, obviamente, os banqueiros concederam este reajuste, que é bastante importante, mas poderiam ter concedido mais, pois os bancários mereciam mais.

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