Artigo do sociólogo Emir Sader: A ditadura do capital especulativo

Spread é uma expressão – mantida em inglês para facilitar a camuflagem do seu significado -, que indica o ganho líquido dos bancos, a diferença entre o que pagam pelo dinheiro que captam e o que recebem pelo que emprestam. Leve R$ 100 reais ao banco para uma aplicação, e no mês seguinte retire R$ 100,50. Dê a volta no balcão e consulte o mesmo funcionário sobre quanto pagará se quiser tomar emprestado a mesma nota de R$ 100. Ele provavelmente dirá que você terá de devolver, no mês seguinte, algo próximo R$ 110. A diferença é o spread, o ganho improdutivo, à custa do suor alheio.

Quando se procura no dicionário o significado da palavra, lá no final, como uma das alternativas, aparece um provável sentido real: “banquete”. Porque disso se trata, de um banquete especulativo. O capital financeiro nasceu como apêndice, apoio do capital produtivo. O proprietário de terras tomava dinheiro emprestado para comprar sementes e devolvia uma parte do ganho na colheita para pagar o empréstimo. Na era de hegemonia do capital industrial continuou assim.

Na passagem para a era neoliberal, o lema dominante foi “desregulamentar” (regras impostas pelo Estado ao mercado), porque o capital deixa de investir quando há muitas travas para sua circulação. O capital, livre dessas travas, voltaria a investir, as economias voltariam a crescer e todos ganhariam.

Não foi o que aconteceu porque, como lembrava sempre Marx, o capital não foi feito para produzir, mas para acumular. Livre de travas, gozando de taxas de juros altas, de baixa tributação sobre os ganhos nas Bolsas de Valores e com liquidez total, os capitais se transferiram, maciçamente, para a especulação financeira. Um fenômeno gigantesco que se deu em escala mundial, fazendo do capital financeiro, na sua modalidade especulativa, o setor hegemônico nas economias. Um capital que não gera bens, nem empregos, que não financia a produção, nem a pesquisa, nem o consumo, mas vive da compra e venda de papéis. Mais de 90% dos movimentos econômicos no mundo são compra e venda de papeis.

Neoliberalismo e hegemonia do capital financeiro são assim almas gêmeas, um não existe sem o outro. Por isso, as crises neoliberais começam no sistema bancário, antes de se alastrar para o resto da economia. E são imediatamente atendidas porque, dizem os economistas neoliberais, se os bancos quebrarem, as telhas caem nas cabeças de todo mundo.

Na atual crise internacional do capitalismo, iniciada em 2007/08, o risco de quebra generalizada dos bancos, que haviam absolutamente afrouxado o controle sobre créditos – especialmente imobiliários -, fez com que o objetivo geral fosse “salvar os bancos”. Os bancos foram salvos, mas quebraram Grécia, Portugal, Espanha, Itália…

No Brasil, a presidenta Dilma se deu conta, na campanha de 2010, de que não haveria um novo ciclo expansivo da economia com as taxas escorchantes de juros reinantes. E se comprometeu a baixá-las, no seu mandato, a uma taxa em torno de 5%, ao padrão médio internacional e do nível interno de inflação. Assim, deixariam de acorrer os capitais especulativos de fora e os capitais nacionais não teriam as justificativas para serem canalizados à especulação, em vez da produção.

O governo começou a diminuir a taxa de juros, como resposta sofreu ataque de terrorismo econômico da mídia a serviço dos bancos, e voltou a subi-las. Já no começo do segundo mandato, a tendência parece se reiterar: defender-se do terrorismo econômico elevando as taxas de juros. Não haverá novo ciclo expansivo da economia incentivando-se a especulação com juros escorchantes. Os juros do cartão de crédito chegam aos patamares da crise de 1999. A taxa mensal chega a passar de 10%, mesmo com taxas de inflação anual na casa de 6%. Imaginem o tamanho do tal do spread. Isso, sim, é um banquete às custas do país.

Emir Sader é sociólogo e cientista político, graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, mestre em filosofia política e doutor em ciência política por essa mesma instituição.

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