Bernardino Ramazzini, médico italiano considerado o pioneiro dos estudos de Saúde do Trabalhador, já no início século XVIII identificou o que chamou de “doença dos escrivães”.
De lá para cá, em diversos momentos da história, há registros de patologias relacionadas ao trabalho nas mais variadas atividades profissionais, cujos sintomas são afecções do sistema músculo esquelético e as causas, entre outras, movimentos repetitivos, posturas inadequadas, sobre esforço de grupos de músculos em razão de levantamento de peso e outras tarefas, todas ligadas às características dos postos de trabalho e das atividades realizadas pelos trabalhadores.
No Brasil, a partir de meados dos anos 1980, o problema começa a ser discutido principalmente pelos trabalhadores em processamento de dados, tendo sido reconhecido pelo Ministério da Previdência Social, após grande mobilização dos sindicatos em todo o País, como doença do trabalho e denominado num primeiro momento como tenossinovite do digitador.
Rapidamente, porém, começou-se a observar que essas patologias não atingiam somente pessoas que trabalhavam exclusivamente em atividades com computadores. Praticamente todos os segmentos de trabalhadores estavam expostos a esse tipo de risco. Bancários, metalúrgicos, costureiros, trabalhadores em frigoríficos, químicos, são apenas alguns exemplos.
Em 1993 foi editada uma nova norma que considerava que as lesões por esforços repetitivos – LER, como passou a ser chamada, era um conjunto de doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho que poderia acometer pessoas das mais diversas atividades profissionais.
Durante os anos 1990, a ocorrência dessas doenças se generalizou e os sindicatos de modo geral tiveram papel importante na conscientização e mobilização dos trabalhadores, fazendo com que o problema ganhasse visibilidade. Com isso, estabeleceram-se processos de negociação bastante frutíferos.
Ocorre que, inicialmente, acreditava-se que a simples melhora física nos ambientes de trabalho – com a substituição de mobiliários e equipamentos por outros ergonomicamente mais adequados – seria a solução. E, por pressão dos trabalhadores, muitas empresas acabaram investindo nessa substituição. O que, obviamente, foi importante, porém, logo se percebeu que o problema persistia.
Hoje sabe-se que, para muito além das condições físicas dos ambientes, as LER/DORT (lesões por esforços repetitivos/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho), como são conhecidas atualmente, têm muito a ver com a forma como o trabalho é organizado e, nesse sentido, as “modernas” modalidades de gestão implantadas principalmente a partir dos anos 1990 estão diretamente relacionadas a esse tipo de adoecimento.
A denominada reengenharia, que provocou uma grande redução de postos de trabalho; a exigência crescente de aumento da produtividade com o estabelecimento de metas inatingíveis; as pressões generalizadas com ameaças de demissões; o estímulo desenfreado da concorrência entre colegas, entre outros fatores, transformou os ambientes de trabalho em locais absolutamente insalubres e penosos, em decorrência do aumento da carga e do stress constante.
Essa realidade, ao mesmo tempo em que compromete a saúde mental dos trabalhadores, afeta-os fisicamente, pois força-os a trabalhar sob grande tensão e muito além dos limites humanos, fazendo com que a incidência das LER/DORT ganhe contornos de epidemia. As estatísticas do Ministério da Previdência Social indicam que as doenças músculo esqueléticas são atualmente a segunda maior causa de afastamento do trabalho no Brasil.
Pretensas soluções como ginástica laboral e orientações sobre postura física correta, além de comprovadamente não atenuarem o problema, focam na individualização das causas e na culpabilização do trabalhador pelo seu próprio adoecimento. Ao contrário, a reversão desse gravíssimo quadro, bem como de toda e qualquer doença ou acidente do trabalho, passa pela compreensão de que as causas são multifatoriais e têm caráter coletivo, pois afetam, em maior ou menor grau, mas de forma similar, todos os trabalhadores de um mesmo ambiente.
28 de fevereiro foi instituído como o “Dia Mundial de Combate às LER/DORT”, importante momento para resgatarmos o debate a fim de desmistificar a falsa crença de que essas doenças estão superadas nos locais de trabalho do País e de todo o mundo – isso só interessa aos patrões – , alertando os trabalhadores de que é preciso permanecer vigilantes, denunciando sempre aos sindicatos as condições inadequadas e as pressões por produtividade, para que juntos possamos exigir das empresas melhoras nos ambientes e revisão dos processos de trabalho.
Junéia Martins Batista
Secretária Nacional de Saúde do Trabalhador da CUT