Resistência, samba e axé encerram mês da Consciência Negra

Depoimentos retrataram história de luta contra a violência e o preconceito

O encontro sobre samba e identidade negra, promovido pela Secretaria de Combate ao Racismo da CUT-SP na quinta-feira (28), encerrou o mês da Consciência Negra da Central. A atividade, ocorrida na sede da entidade, no bairro do Brás, recebeu velhos conhecedores das raízes do ritmo que caminha junto com a história do próprio movimento negro.

O saguão de entrada da sede da Central Única dos Trabalhadores reuniu diferentes sindicatos cutistas do Estado de São Paulo que participaram durante o dia de oficinas e coloriram o evento com turbantes e acessórios que remetem à construção do Brasil, país com a maior população de origem africana fora da África.

Na mesa de convidados, a palavra axé – que na língua iorubá significa energia, poder ou força – esteve presente na fala de mulheres e homens que carregam na pele negra a luta e a resistência de seus ancestrais que foram amarrados, sequestrados e deportados como parte do processo de escravização da diáspora africana.

Para a secretária de Combate ao Racismo da CUT-SP, Rosana Aparecida da Silva, o evento representa um momento de aprendizado e confraternização frente a uma série de encontros realizados durante todo o ano, mas com edição especial em novembro. “O conhecimento sobre o samba que trazemos aqui nos une para combater a discriminação racial”, afirmou.

A embaixatriz do samba de São Paulo e representante da Velha Guarda da Rosas de Ouro, Maria Helena, saudou “Okê Arô, Oxóssi”, em homenagem ao orixá de sua tradição religiosa, que também remonta à África. “O samba é uma herança do povo negro, como tantas outras contribuições que trouxemos”.

As mulheres negras foram destacadas por Maria Helena, pois, segundo a embaixatriz, são elas a matriz e a força motriz desde os primórdios, principalmente por seu papel enquanto educadoras dos terreiros das escolas de samba, ainda que tivessem que enfrentar a pior das discriminações raciais. “Temos muito respeito pelas mulheres baianas que deram a primeira sustentação ao samba”, resgata, criticando o aspecto mercadológico que alguns espaços assumem hoje.

Com turbante vermelho na cabeça e nascida na Brasilândia, zona norte de São Paulo, a representante da velha guarda se colocou também como mãe e avó. “Tenho a preocupação de orientar as jovens que chegam à escola de samba sobre os leões de boca aberta a serem enfrentados na sociedade. Sabe, foram tantos os anos de exclusão que, quando temos oportunidade, a gente fala”, pontua.

Aplaudida por todos, Maria Helena recitou uma letra de sua autoria, que representa o samba como retrato do cotidiano ou de um período. “Lá vai a negra lavar a roupa com seu sabão, noite fria, na pele escura, ai que solidão! Lavo roupa, faço a comida e vou trabalhar na casa do patrão. Mas antes escorrego, mas não me entrego a essa sofridão. Volto cantarolando, vou pra minha escola […] sambando eu esqueço tudo, até do mundo […]”, disse, explicando que a escola era também o lugar onde as mulheres demarcavam território.

O militante do movimento negro e sambista antigo Gilson Negão, como é conhecido o integrante da Escola de Samba Leandro de Itaquera, destacou que em 2013 o samba completa 50 anos.

Em suas lembranças de infância, recorda que o batuque de preto-velho era o que chamava a atenção das crianças. “Queria participar, mas só podia ir às festas de Cosme e Damião. A partir daí, fui conhecendo e me envolvendo com a batucada e com o samba”, conta.

Gilson fez referência à contribuição dos trabalhadores e trabalhadoras negros. Filho de pai estivador, ele explica que a beira do cais nos portos foi berço de aprendizado. “Enquanto as mercadorias não chegavam para descarregar, os estivadores faziam batucada com o que tivesse. Muito da história nasceu ali”.

O sambista diz que os instrumentos eram diferentes e feitos de forma artesanal. “O tamborim, antigamente, era quadrado e não se chamava assim, era conhecido como tamboresco. Era feito com caixinha de goiabada – se tirava até o couro do gato”, relembra.

A cantora Leci Brandão deu sua benção à plateia que ocupou com diversidade as cadeiras do encontro. Segundo ela, antes de conhecer melhor a política e os partidos, já cantava nos palcos da CUT. A trajetória de luta desde o Rio de Janeiro foi relatado pela sambista.

No evento, Leci se referiu às mudanças ocorridas há alguns anos a partir da presença massiva de turistas, especialmente na cidade carioca, o que trouxe mudanças significativas com relação à dinâmica dos carnavais “No nosso tempo, preparávamos comida, pão, pimentão e carne e levávamos para avenida. Era dessa forma que a gente era feliz, pois não tinha esse negócio de diretor de ala, presidente”, fez referência à origem das escolas de samba.

A sambista, que é também deputada estadual por São Paulo, disse se lembrar do tempo do “tamborim quadrado”. “As histórias que eu conhecia do samba eram retratadas em músicas como a de Geraldo Pereira que dizia: Polícia tá no morro / Atrás do cabrito do doutor / Que o Bento matou e fez tambor / O comissário mandou dizer/ Que a escola só sai / Se o cabrito aparecer / Ohh”, cantou.

Para Gilson, isso explica o porquê da escola de samba ser o único conglomerado que agrega toda a família. “É neto, é pai, é avô. Todos participam”, afirmou.

De acordo com Leci, apesar de o samba se mesclar com a história do povo negro, hoje existem distorções. “Temos que tomar consciência de que os atabaques permitidos no dia 20 de novembro nas praças do centro de São Paulo são os mesmos que são proibidos nos terreiros que ainda sofrem perseguições”, desabafou indignada.

Para o secretário-geral da CUT-SP, Sebastião Cardozo, o Tião, o movimento sindical tem o papel de denunciar as desigualdades e a violência contra a população negra, bem como apoiar instrumentos como a Lei 10.639, de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira, a qual pode ser difusora do próprio conhecimento sobre as raízes do samba. “Apoiamos a luta do povo negro porque queremos construir uma sociedade sem discriminação e para todos e todas”.

Para Maria Helena, negros e negros que carregam o samba como parte de suas histórias de resistência e construção, precisam ocupar os espaços de poder, dos quais por muitos séculos foram excluídos. Fato reforçado por Leci que afirmou que “as lamentações continuarão acontecendo por parte do movimento porque nós ainda não estamos no poder”, concluiu a cantora.

Depois de muitos aplausos e fotografias com mulheres e homens que são referência do samba e do movimento negro, os participantes desfrutavam de um coquetel oferecido pela Central, onde também puderam debater, de maneira informal, sobre a situação da violência policial, saraus nas periferias, cotas raciais nas universidades públicas e paridade, além de compartilharem letras de samba atuais.

Sobre as ações da CUT São Paulo

O mês da Consciência Negra 2013 teve como patrono o marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata, ocorrida em novembro de 1910. À época, marinheiros da Armada brasileira rebelaram-se no Rio de Janeiro e assumiram o controle dos principais navios da frota. A mobilização foi incentivada devido às aplicações de castigos físicos que eram impostos a esses trabalhadores.

Entre as atividades desenvolvidas pela Central, destacam-se a X Marcha da Consciência Negra: 10 anos de luta por um Brasil sem racismo, ocorrida no dia 20 de novembro na cidade de São Paulo e o CUT Cidadã Consciência Negra, realizado no dia 23, no Paço Municipal de Mauá.

O espetáculo Janelas também teve repercussão durante o mês. Apresentação teatral às sextas-feiras e sábados (dia 30 será a última apresentação – clique aqui para saber mais), de um grupo criado a partir do Coletivo de Cultura da CUT-SP, uma das referências feitas pelos atores na obra se refere aos povos escravizados oriundos da Ilha de Goré, no Senegal, na África Ocidental.

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