X Cúpula Social do Mercosul começa com avaliação sobre avanços democráticos

Na noite de terça-feira (14), um debate com intelectuais de Brasil, Argentina e Uruguai deu início, em grande estilo, à X Cúpula Social do Mercosul que acontece em Fox do Iguaçu, no Paraná. A abertura aconteceu no Cineteatro Barrageiro, parte do Parque Tecnológico de Itaipu, responsável por abrigar o evento.

Em uma breve participação, representantes dos movimentos sociais de todos os países da América do Sul falaram a um auditório completamente tomado e composto por várias línguas e bandeiras.

Mediador da mesa de abertura, o reitor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) – primeira bilingue do país – Hélgio Trindade, apontou a necessidade do conhecimento atuar como uma forma de integração, palavra, aliás, muito lembrada durante a noite. “Muitas vezes a universidade se fecha no mundo acadêmico e essa será a primeira na América Latina totalmente voltada a contribuir, por meio do conhecimento compartilhado e da cooperação solidária, com o combate à exclusão”, afirmou.

O que é democracia

A primeira convidar a utilizar o púlpito foi a filosofa e professora da Universidade de São Paulo, Marilena Chauí, a quem coube falar sobre direitos e democracia. Ela iniciou destacando o significado de uma cúpula como essa acontecer justamente num local construído pelos militares durante a ditadura. “A ditadura assumiu a forma da prisão, da tortura, da morte, do desaparecimento, da censura, da indignidade e da exclusão para todos e o fato do continente se reunir numa ação que é exatamente a negação disso em um local onde a ditadura se imaginou invencível é muito especial”, disse, sob aplausos.

Ao ressaltar a democracia como um regime que considera o conflito legítimo e não a unanimidade a qualquer preço, Chauí apontou o equívoco do pensamento liberal que reduz esse modelo à competitividade econômica da livre iniciativa e utiliza os poderes Executivo e Judiciário para conter conflitos por meio da repressão. “É a luta dos movimentos sociais que nega o principio neoliberal de que a política seja uma questão técnica. A política é ação coletiva e os movimentos sociais transformam carências particulares em interesses comuns e, por meio da luta pela igualdade, em direitos universais.”

A luta por direitos – Para ilustrar a importância da atuação da sociedade civil, ela citou o início da implementação do neoliberalismo na América do Sul. “O neoliberalismo substitui direitos por serviços a serem adquiridos no mercado como a educação e a saúde. Aqui, novamente, o papel dos movimentos sociais foi decisivo ao identificar os inimigos e exigir mudanças de governo. Sem isso, as ações estatais no início desse século em nosso continente seria impossível. Viva os movimentos sociais da América do Sul portadores da democracia”, bradou.

Em suas observações, Aldo Ferrer, da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, e Gerardo Caetano, da Universidade da República, no Paraguai, ressaltaram a urgência de um projeto de integração regional no Mercosul para que os países cresçam em conjunto por meio do comércio inter regional, ampliem a soberania, produzam um modelo próprio de organização econômica e fortaleçam a presença no mundo global.

Contudo, ponderou, Caetano, é preciso avaliar o modelo de crescimento adotado. “Desde 2003, a América Latina cresce exponencialmente, mas precisamos ver fazemos isso apenas em exportação de commodities. Se for assim, com a primarização das economias, não teremos desenvolvimento”, diz o historiador, para quem são necessárias políticas públicas para incorporar valores científicos e tecnológicos aos produto.

Além disso, não se deve perder de vista a defesa da igualdade. “Também não há desenvolvimento sem democracia e não há democracia sem igualdade. Vivemos o escândalo de ser o continente mais desigual do planeta e não podemos nos abster de pensar no combate a essa discrepância para promovermos um crescimento sustentável.”

Um lugar sem lugares-comuns

Apresentado como um forte candidato ao ministério da Cultura da presidenta Dilma, Emir Sader não tem dúvida nenhuma de que a América do Sul mudou nos últimos ano. E muito. Exemplificou ao classificar os chefes de Estado presentes no último Fórum Social Mundial, em 2009, como outsiders da política tradicional e assim os definiu: um arcebispo ligado ao movimento camponês paraguaio, um líder nacionalista mulato venezuelano, um dirigente indígena cocaleiro boliviano, um líder sindical brasileiro e um intelectual crítico do Equador.

“A América Latina tem uma outra cara porque os movimentos sociais, lá atrás, quando o neoliberalismo era consenso, começaram a assumir a vanguarda na resistência a esse modelo. O modelo se esgotou rapidamente pelo enfrentamento, mas também porque não gerou bases de acordo social de sustentação. Em 1994, foi a crise mexicana, em 1999 foi a crise brasileira e em 2001, a Argentina. As principais economias do continente demonstraram fragilidade pela abertura desenfreada e pela hegemonia do capital financeiro promovida pelo neoliberalismo”, explicou.

Segunda a avaliação de Sader, foi aí que se começou a gestar a mudança radical no continente. “Hoje somos o único espaço internacional com construção de alternativas para o neoliberalismo. Graças à compreensão dos movimentos sociais de que se tratava também de passar a disputar a hegemonia”.

Quem não fez isso, indicou, foi mal, caso do México, que aderiu à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e hoje está no epicentro da crise, com 90% de suas relações comerciais atreladas ao EUA. “Pagaram um preço caríssimo pela subordinação”, afirmou.

Já o Brasil, que resolveu investir na formalidade, na distribuição de renda e na elevação dos salários foi o primeiro a sair da crise, conforme lembrou o professor. Além disso, ele comenta que a eleição de Pepe Mojica e de Dilma Rousseff, ao lado da reeleição de Evo Morales mostram que as políticas sociais tem apelo popular.

Mas, não é tudo – Mesmo com tantos avanços, Emir Sader acredita que há muito a fazer para aprofundar as mudanças sociais. A começar pela taxação do capital especulativo, que não gera emprego, algo que ele classifica como quebrar o monopólio do dinheiro, mudar o modelo agrário para quebrar o monopólio da terra na mão dos latifundiários e, por fim, acabar com o monopólio da palavra. “Há um bloco dos meios de comunicação dirigidos por poucas famílias que se acham donas da informação. Isso deve estar na lista de prioridades dos movimentos sociais para construção democrática e pluralista da opinião pública”, indica.

Em sua proposta para acabar com a desigualdade, ele é ainda mais radical. “Devemos fazer uma reforma ou refundação dos Estados, que foram feitos por minorias e para as minorias. O que está aí não tem condições de fazer um governo para todos.”

Ainda assim, rasga elogios aos feitos dos latinos. “Nessa primeira década do século 21 conseguimos uma virada importante. Temos uma capacidade de resistência que nenhum outro continente tem. Agora, precisamos realizar uma integração financeira, intelectual, tecnológica e educação”, diz.

Para todos os latinos da América – Um grande passo, ocorreu no final da noite, com a assinatura simbólica do edital de construção do campus da Unila assinado por Oscar Niemeyer e referendado por um presidente que jamais passou pela academia e ainda assim sabe bem a importância da educação para o Brasil.

Aliás, paralela à Cupula Social ocorre também em Foz do Iguaçu a 40ª Cupula de Presidentes do Mercosul e Estados Associados. Uma atividade conjunta de ambas está prevista para quinta-feira (16), quando termina a primeira.

A cerimônia marcará a despedida do presidente Luis Inácio Lula da Silva e já contará com a presidenta eleita, Dilma Rousseff.

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