Revista Fórum*
Moriti Neto
Ainda hoje, quando se ouve o termo sindicalismo, a reação segundo o senso comum é imaginar greves e palavras de ordem em defesa de reajustes salariais e melhores condições de trabalho. Isso continua fazendo parte do cotidiano de luta dos trabalhadores, mas outros temas também passaram a ser incorporados, assim como novos métodos de luta e análise da realidade sócio-econômica.
São debates que perpassam temas como o pós-crise, problemáticas ambientais, a sociedade de consumo, a comunicação, a atuação dos sindicatos em forma de redes e a criação de uma plataforma da classe trabalhadora para garantia de conquistas, independentemente do resultado das eleições de 2010.
No 10º Congresso da Central Única dos Trabalhadores (CUT), realizado no início de agosto, foi possível perceber quais novos temas hoje adquirem importância no movimento. Um deles foi representado no acordo assinado entre a Central e o Ministério do Meio Ambiente, que sinaliza a possibilidade de intervenção dos trabalhadores na discussão ambiental de maneira diferenciada, não só no local de trabalho, mas também no seu entorno.
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, em entrevista durante o evento, declarou: “é direito do trabalhador manter-se informado e opinar sobre quaisquer situações. Com o ambientalismo não pode ser diferente. A aprovação das licenças, o acompanhamento delas, é fundamental, pois o empresário, quando consegue autorização, recebe dois documentos. Um é o do licenciamento, outro é o das condições para mantê-lo. Mas, na empresa, só se vê o primeiro. O segundo fica escondido”.
De acordo com Minc, os sindicatos devem assumir posturas de fiscalização e acompanhar a inciativa da CUT. “Esse acordo é uma grande contribuição para a saúde das pessoas. Os trabalhadores, em muitos casos, ficam expostos a vários tipos de poluição, altas temperaturas, emissões de gases . E não é somente no interior da fábrica, pois quem mora no entorno não é o empresário, mas o trabalhador. Temos que pensar em ecologia humana”, conclui.
Creditado como “novo marco numa discussão que não é nova” na CUT, mas sobre a qual não existia proposta concreta, o ambientalismo parece mesmo ter entrado na pauta sindicalista.
A forma de tratar o assunto visa também permitir ação efetiva na concessão de licenças ambientais, com consultas públicas formuladoras de regras para projetos – de qualquer setor – dando condições para que a classe trabalhadora tenha voz, voto e direito a acompanhamento.
Seja na instalação de uma indústria ou na construção de um empreendimento imobiliário, o movimento pretende averiguar o cumprimento das condicionalidades previstas. Para tanto, as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) poderiam adquirir caráter de fiscalização ambiental.
Alguns sindicatos como o dos Metalúrgicos do ABC, estão investindo também em cursos de conscientização relacionados à temática ambiental, preparando dirigentes e militantes. “Temos vários cursos de no mínimo seis meses que orientam os trabalhadores para negociar. E, no nosso último congresso, em maio deste ano, decidimos que o meio ambiente, algo que já estudávamos desde 2008, é prioridade.
Nossa intenção é que as empresas coloquem o trabalhador como peça ativa na discussão temática”, esclarece o coordenador do Departamento de Formação, Alex Sgreccia. “Os trabalhadores precisam de preparo para negociações do tipo.
Explicamos a introdução; o que é aquecimento global, a importância da participação dos trabalhadores não só no meio profissional, mas também na sociedade. É uma forma de ampliar a organização nos locais de trabalho, permitir a discussão política e social”, completa.
O que propor para 2010?
O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) doutor em sociologia, Fernando Cotanda, crê que o leque de temas se abriu para o sindicalismo desde a Constituição de 1988, o que trouxe benefícios e dificuldades.
“Os sindicatos se deram conta de que o trabalho produz coisas, mas também pessoas. Assuntos como ecologia, gênero e tecnologia passaram a ser vistos como valores legítimos pelo meio sindical. O que é bom, pois são valores democráticos, de cidadania. Entretanto, há dificuldades na proposição. Não é fácil abordar tantos temas com propriedade”, argumenta.
Para que a capacidade propositiva evolua, Cotanda faz uma sugestão: “para preencher esta lacuna, o movimento sindical deve se aproximar de outros atores importantes, estabelecer vínculos com universidades e centros de pesquisa, buscando conhecimento para uma pauta cidadã”.
Para José Dari Krein, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador da área do trabalho, opina sobre vertentes que o sindicalismo pode oferecer. “Os sindicatos devem pensar em debater alternativas ao modelo neoliberal imposto nos anos 90.
Em que nível pode se dar a participação do estado? Apenas para tapar buracos em tempos de crise ou atuação efetiva e constante? Além disso, existem problemas que não eram debatidos antes, como o meio ambiente, matrizes energéticas.
Os sindicatos podem se tornar forças sociais ativas, criar mecanismos de pressão mais sólidos e articulados para atender à sociedade de forma coletiva”, acredita. “Para isso, uma sugestão é a formação de redes, cadeias de entidades, que unam diversas categorias e pressionem por investimentos públicos em infra-estrutura, o que, consequentemente gera postos de trabalho, mais renda e também a participação direta em negociações sobre assuntos como riquezas nacionais e recursos ambientais”.
Krein é enfático quanto à importância de se construir uma plataforma da classe trabalhadora no centro das eleições do ano que vem. “Eleição é sempre um momento de se rediscutir o país. Cabe aos sindicatos elaborarem projetos.
Na perspectiva da construção de uma nação, os sindicatos podem ter papel relevante, mas necessitam de capacidade para propor modelos. Hoje, se compararmos com os anos 90, quando o ambiente, no governo do PSDB, era muito mais hostil para os sindicalistas, há mais espaços.
Não que tudo tenha sido perfeito na administração do Lula, mas houve avanços. Porém, é possível avançar mais e eliminar contradições ainda existentes. No caso do trabalho doméstico, por exemplo, há pontos em que a legislação deve ser aperfeiçoada”, completa.
Outra questão bastante debatida no Congresso e no meio sindical é a participação direta da sociedade sobre os instrumentos do Estado, com a ampliação do protagonismo dos cidadãos. “É preciso estabelecer novas formas de controle social. Estamos falando mais de democracia direta e menos de democracia representativa e isso passa por discutir a reforma política”, argumenta Artur Henrique, presidente reeleito da CUT.
“Para nós, o debate dos veículos de comunicação, da democratização dos meios, de institucionalização dos espaços de representação popular surgidos no governo Lula, com milhares de conferências de todo o tipo, são instrumentos que devem ser aperfeiçoados e instaurados como política de Estado e não só governamentais.
Temos que garantir conquistas em forma de lei, para que nenhum governante possa derrubar, numa canetada, os ganhos que obtivemos nos últimos anos, como melhora da política salarial e da participatividade”, observa.
*Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de agosto. Nas bancas.