Bancos tentam acordo no STF sobre correção dos planos econômicos

Claudia Safatle e Juliano Basile
Valor Econômico | De Brasília

Representantes dos bancos apresentaram aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) uma nova tese sobre as ações envolvendo os planos econômicos que, se acolhida, servirá como base para um acordo pelo qual nem as instituições financeiras terão que arcar com centenas de bilhões de reais nem os poupadores que realmente tiveram perdas na correção da poupança ficam a ver navios.

A proposta, levada ao Supremo em fevereiro, reconhece o direito de os poupadores obterem o reajuste de suas contas, mas limita o alcance dessa revisão, na melhor das hipóteses, aos primeiros quatro meses dos planos.

O argumento é que apenas os poupadores que sacaram dinheiro de suas contas em períodos bem específicos, em que houve troca do índice de correção, sofreram perdas. Cada plano é um caso diferente.

Duas premissas cercam a alternativa concebida pelos bancos: que o Supremo não considere as demandas sobre o Plano Collor 1, que durante um período ficou sob “vacatio legis”; e só os correntistas que realizaram saques entre os dias 11 e 14 de junho de 1987 tenham direito à revisão da correção do Plano Bresser. Apenas o Plano Verão seria contemplado com o período de quatro meses, quando vigorou um indexador substituto ao original previsto em contrato.

No caso do Plano Bresser, a limitação a quatro dias se justificaria por que em fevereiro de 1987 o Banco Central divulgou uma resolução que já anunciava uma troca de indexador para junho, quando da edição do plano. Portanto, os poupadores já sabiam que haveria a mudança do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) para as Letras do Banco Central (LBC). Mas, por equívoco, o BC editou outra resolução, no dia 11 de junho daquele mesmo ano, que revogou a anterior. A revogação durou apenas até o dia 14. No dia 15, outro ato do BC fez a substituição de índice.

Assim, só teriam incorrido em perdas os correntistas que sacaram recursos de suas cadernetas nesse intervalo de quatro dias.

No caso do Plano Collor, houve uma questão legal entre duas medidas provisórias. A MP 168, que regulamentou o plano e foi convertida em lei, só tratou da correção da poupança retida – lembre-se que ficaram disponíveis para saque apenas quantias de até 50 mil cruzados novos, a moeda da ocasião.

Para corrigir essa falha, o governo editou em seguida a MP 172, estabelecendo que a correção para a parcela que poderia ser sacada seria feita pelo BTN (Bônus do Tesouro Nacional). Essa MP, porém, nunca virou lei.

O Collor 1 seria a maior ameaça para os bancos, pois o custo das ações movidas pelos correntistas poderia atingir R$ 163,4 bilhões, cálculo que leva em conta as atualizações do valor da moeda e a incidência de juros de mora durante todos esses anos. Seria, portanto, quase a metade do valor total da causa no pior cenário estimado pela consultoria LCA, de R$ 341,5 bilhões.

Desde que foi apresentada, no mês passado, a proposta preparada pelos bancos fez com que ministros que já tinham o voto praticamente pronto passassem a refletir sobre a sua viabilidade jurídica e econômica. É comum que os integrantes do Supremo busquem, no julgamento de grandes casos econômicos, equacionar as decisões de modo que o prejuízo não seja todo voltado para um só lado da questão.

Isso aconteceu, por exemplo, em 2000, quando os ministros julgaram as ações que demandavam a correção dos saldos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) nos planos econômicos. Naquela ocasião, o prejuízo total de uma eventual condenação chegaria a R$ 53 bilhões. Ao fim, o STF decidiu por um meio termo. Reconheceu a correção em alguns planos e negou em outros, o que reduziu a conta para R$ 38 bilhões, em valores da época.

Quando o plenário do Supremo está claramente dividido, é comum a prática do chamado “voto médio”, uma posição capaz de acolher alegações de ambos os lados da questão. Isso ocorreu em grandes julgamentos, como a decisão que autorizou a reforma da Previdência do funcionalismo público do governo Lula e na que reconheceu a demarcação de terras indígenas em Roraima.

No caso em que se discute os pedidos de correção das cadernetas de poupança na época dos planos, os integrantes do STF sabem que são grandes as chances de serem criticados se penderem totalmente para um lado, sejam os poupadores ou os bancos.

Na primeira hipótese, o tribunal poderia ser visto como o protagonista de uma forte retração de crédito no país e por um desarranjo nas contas públicas, com todas as consequências que isso poderia ter sobre a economia. Os bancos alegam que não teriam como pagar uma conta de bilhões de reais sem rever as suas políticas de concessão de empréstimos e financiamentos. E metade dessa conta caberia aos bancos públicos (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), ou seja, ao Tesouro Nacional (acionista majoritário).

Outro aspecto de uma decisão favorável a todos os poupadores é que bancos privados poderiam ingressar com ações regressivas para cobrar o prejuízo de uma eventual decisão contrária à União – afinal foi o governo que determinou às instituições que elas aplicassem outro índice de correção.

Por outro lado, se negar totalmente o direito dos poupadores, o STF estará derrubando milhares de decisões de instâncias inferiores que lhes foram favoráveis. Ficaria a impressão de que o Supremo, sob intensa pressão, pode inverter totalmente a orientação que o resto do Judiciário deu sobre o assunto.

Tudo somado, os ministros sabem que não serão capazes de satisfazer a todos os pedidos dos envolvidos na questão. É neste cenário que uma solução salomônica pode ganhar força e foi justamente essa possibilidade que lhes foi apresentada nas últimas semanas.

O julgamento dos planos econômicos está sem data para ser retomado. O presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, gostaria de colocar o caso na pauta o mais brevemente possível. Já os relatores dos processos sobre o assunto – os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes – receberam um pedido dos bancos para a realização de uma audiência para discutir o valor da causa.

O pedido foi apresentado depois de o Ministério Público Federal ter levado um cálculo de que os bancos teriam lucrado R$ 441 bilhões na época da edição dos planos econômicos e, portanto, teriam dinheiro suficiente para quitar os poupadores. O Banco Central diz que essa conta não passa de R$ 5 bilhões.

Como o cálculo do BC é quase cem vezes menor do que o do MPF, foi pedida uma audiência para esclarecer a questão. Mas o caso é tão complexo que os ministros não conseguiram decidir sequer sobre essa audiência.

Se consagrada a tese apresentada pelos bancos, o STF reconheceria que os planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991) são constitucionais, o que favorece as instituições financeiras. O tribunal atestaria, também, o direito adquirido dos poupadores à correção de suas contas pelos índices que vigoravam antes de cada plano, mas de forma limitada. A ideia é facultar aos poupadores que se enquadrarem nas premissas do eventual acordo a escolha de um único índice para corrigir seus saldos no período pré-determinado, seja o indexador contratado ou o que veio a substituí-lo.

Consultada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que não se manifestaria publicamente sobre o assunto.

O Banco Central, por meio de seu o procurador-geral, Isaac Sidney Menezes Ferreira, declarou ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor: “A atuação do Banco Central, no julgamento, restringe-se a contribuir técnica e juridicamente para o debate constitucional e legal das leis que instituíram os planos monetários, não cabendo à autoridade monetária manifestar -se sobre eventual acordo ou modulação de efeitos, matéria mais afeta às partes”.

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