Em uma decisão inédita, o juiz da 10ª Vara Cível de João Pessoa deferiu o pedido de liminar constante da Ação Civil Pública intentada pelo Ministério Público do Estado da Paraíba, proibindo a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Banco do Brasil, Itaú, HSBC, Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Bradesco e Santander de penalizarem os consumidores que não conseguirem honrar seus compromissos durante a greve dos bancários. Caso descumpram a medida, os bancos sofrerão multas diárias.
Pela decisão do juiz José Ferreira Ramos Júnior, que está sendo seguida em juízo de segundo grau, os bancos devem se abster: de cobrar juros, multas contratuais e demais encargos financeiros, desde o início da greve, prorrogando-se os vencimentos do títulos bancários e contratos por no mínimo 72 horas, a contar da normalização dos serviços bancários; de cobrar qualquer taxa referente a devolução de cheques ocorridos no período de greve; e de promover negativação dos correntistas junto aos órgãos de proteção ao crédito, decorrentes de pagamentos não efetuados pelos consumidores, durante o mesmo período do item anterior.
A decisão é extensiva a todas as instituições financeiras filiadas à Febraban, inclusive quanto à aplicação de multa diária, de R$ 50 mil até R$ 500 mil, caso descumpram a medida judicial.
Dos fatos
Conforme informações dos promotores de Defesa do Consumidor da Capital, Francisco Glauberto Bezerra (foto) e Priscylla Miranda Morais Maroja, o que motivou o Ministério Público a ingressar com a Ação Civil Pública foram as reclamações dos consumidores, durante a greve dos bancários do ano passado.
Além disso, em uma reunião com os órgãos de defesa do consumidor, os bancos e a representação dos trabalhadores, o Sindicato dos Bancários da Paraíba denunciou a manobra dos bancos, que durante a greve remetem cheques custodiados ao serviço de compensação, quando os correntistas não têm como efetuar os respectivos depósitos.
Para o promotor, os consumidores dos serviços bancários não podem arcar com o ônus de uma greve provocada pela queda de braço entre banqueiros e bancários. “A mesma Constituição Federal que faculta ao cidadão trabalhador exercer o direito de greve, em busca de melhores condições de vida e de trabalho, também garante o direito do consumidor, que é um direito humano fundamental. Daí a necessidade da harmonização das relações interpessoais”, fundamentou.
Glauberto chamou a atenção para o fato de as empresas também terem direitos e deveres constitucionais, argumentando que o artigo 170, da Constituição, fixa que todas as empresas devem prosperar, devem circular capital, devem ter lucros. Mas, sempre com a âncora na preservação dos direitos da sociedade como um todo.
“Existe uma máxima latina que traduz esse entendimento: Ubi commoda, ibi incommoda. Ou seja, se você obtém lucro, se você obtém benesses no local onde a empresa está funcionando, por vias de consequência deve devolver a essa mesma sociedade parte desses lucros auferidos. E lucro não só em dinheiro, mas, também, na boa prestação de serviços com segurança, com informação precisa, preservando, construindo e ampliando a dignidade da pessoa humana”, esclareceu o promotor.
Para ele, a greve era previsível. Portanto, os bancos tinham o poder/dever de fazer face, de cumprir o direito fundamental do consumidor, de não exigir incorretamente algo fora dos padrões da boa-fé objetiva, onde tem os princípios e os deveres laterais da confiança, da segurança das relações de consumo.
“De imediato ou anteriormente, os bancos deveriam ter tomado as providências para que não incidissem cobranças indevidas sobre a parte mais vulnerável, mais fraca da relação de consumo, que é o consumidor. E essa postura também reforçou nossa convicção ao formularmos a Ação Civil Pública”, argumentou.
O presidente do Sindicato, Marcos Henriques, parabeniza o Ministério Público pelo seu posicionamento em defesa do consumidor, respeitando o direito dos bancários e cobrando a responsabilização dos bancos pelos abusos cometidos durante a greve.
“O bom senso da Promotoria do Consumidor conseguiu captar que os bancários não fazem a greve pela greve, nem contra o consumidor, mas tão somente porque são forçados pelos bancos, que fogem da via negocial e ainda tentam tirar proveito da fragilidade do consumidor, ante uma situação provocada pela própria ganância dos banqueiros”, desabafou Marcos.
Fase do processo
Sobre o andamento da ação, Glauberto ressaltou a vitória da sociedade no processo em curso. “Liminarmente, houve a concessão do Juízo de Primeiro Grau. Tanto os bancos que foram acionados quanto a Febraban intentaram os recursos que julgaram convenientes. Entretanto, a sociedade logrou êxito, através da nossa ação. A sociedade saiu ganhando porque os bancos estão proibidos de cobrar encargos indevidos, decorrentes de taxas, de tarifas de manutenção de contas correntes, além da proibição do envio às instituições do controle de crédito, a exemplo do Serasa, do nome das pessoas que não conseguiram fazer o depósito para honrar os cheques que estão custodiados pelo banco, durante a greve”.
O promotor enviou cópias dessa ação para todos os colegas do Ministério Público brasileiro, principalmente para o Ministério Público do Consumidor, que é uma associação de promotores de justiça que defendem o consumidor em todo o Brasil.
Sereno, sincero e sempre bem humorado, Glauberto filosofou ao revelar de onde vem tanta força para conduzir essa luta em defesa dos direitos da pessoa humana.
“Eu creio que o homem tem que sonhar. E meu sonho é de paz, harmonia e prosperidade. E alguém pode dizer: mas, isso é impossível… E eu responderei: o impossível só demora um pouco mais, quando se crê”, concluiu.