ARTIGO: O 8 de Mar‡o, 150 anos depois

Por Neide Fonseca *

 

A chegada do século XXI traz a impressão de que muitas coisas mudaram nas relações entre homens e mulheres. A mídia tenta passar a impressão de que a igualdade de oportunidades e de tratamento é um fato consolidado, mostram mulheres bem sucedidas no trabalho, mulheres chegando ao poder.

 

Não podemos negar que a luta do movimento de mulheres e do movimento feminista gerou frutos e muitas conquistas foram feitas. É verdade que hoje temos mulheres executivas em cargos de grande importância, mais quantas são? A resposta é rápida: é uma minoria, pois a maior parte das mulheres ainda continua ocupando postos aquém de sua capacidade, com salários menores, conforme as estatísticas de diversos países.

 

É verdade também que uma nova geração de mulheres está chegando ao poder, podemos citar como exemplo Ângela Merkel, primeira mulher a chefiar o governo na Alemanha. O Chile, com sua primeira Presidenta Michelle Bachelet. Na Libéria, Ellen Sirleaf foi a primeira mulher eleita presidenta na África.

 

Entretanto, ainda há muito por fazer, as relações de gênero ainda são extremamente assimétricas, esses poucos exemplos não apagam a realidade em que vivem milhões de mulheres em todo o mundo. Embora toda a luta pela igualdade de direitos, a mulher ainda sofre todo tipo de violência. 

 

Vai longe aquele 8 de março de 1857, quando as operárias têxteis de uma fábrica em Nova York entraram em greve, exigindo melhores salários, que eram apenas 1/3 do salário dos homens, e exigiam a redução da jornada de trabalho de 16 horas para 10 horas e acabaram morrendo queimadas. Hoje já não se queimam pessoas por fazerem greve, entretanto o simbolismo que representa a violência contra as trabalhadoras têxteis continua 150 anos depois, das mais variadas formas.

 

Isso porque, além da violência da discriminação no mundo do trabalho, a violência física e/ou psicológica contra as mulheres e as meninas continua sendo o mais sistemático e generalizado dos abusos contra os direitos humanos e segue aterrorizando milhões de mulheres e meninas, independentemente de sua localização geográfica, sua raça ou sua condição sócio-econômica.

 

E é sobre esse tipo de violência que quero me ater, acha vista que em todo o mundo, uma de cada três mulheres provavelmente padecerá durante sua vida maus tratos físicos, sexuais ou de outra índole, usualmente infligidos por um membro da família ou alguém que a mulher conhece. As adolescentes são particularmente vulneráveis; quase 50% dos ataques sexuais em todo o mundo afetam meninas menores de 15 anos de idade.

 

A violência tem aumentado com a globalização econômica. As condições econômicas cada vez mais precárias aumentam a vulnerabilidade das mulheres frente a todos os tipos de violência, que adquire diversas formas segundo as sociedades e as culturas. Uma das formas de violência que está hoje em pleno auge é a indústria mundial do sexo. Com o aumento da pobreza, assistimos a um recrudescimento do tráfico de mulheres, da prostituição, do turismo sexual, sem mencionar a violência sistêmica em tempos de guerra (estupros, agressões sexuais, escravidão etc).

 

O caminho deste tráfico é o mesmo caminho do reembolso da dívida: do Sul ao Norte e do Leste ao Oeste, e envolve quatro milhões de mulheres e meninas vendidas a cada ano para fins de prostituição, escravidão doméstica ou casamento forçado.

 

Outra violência é o estupro que em escala mundial aponta que uma mulher em cada quatro tem sido ou será estuprada uma vez na vida, freqüentemente por um homem conhecido. O estupro é utilizado sistematicamente como arma de guerra em todos os conflitos armados do século XX e deste início de século.

 

De modo geral estima-se que a violência é uma causa de morte e de incapacidade das mulheres em idade reprodutiva tão importante quanto o câncer, e causa tantos danos à saúde quanto os acidentes de trânsito ou o paludismo, juntos.

 

A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) reconhece formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membro da ONU e as organizações da sociedade civil têm trabalhado para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecido também como um grave problema de saúde pública.

 

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), “as conseqüências do abuso são profundas, indo além da saúde e da felicidade individual e afetando o bem-estar de comunidades inteiras”.

 

Entretanto, poucos países dispõem de instrumentos legais que previnam, protejam e ampare as mulheres em caso de violência doméstica e familiar. O Brasil recentemente sancionou a Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha, que coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

Em relação às guerras, infelizmente, embora o regime internacional dos direitos humanos, a violação às mulheres e meninas continua sendo uma constante.

 

Quanto às diversas formas de violência contra as mulheres no mundo do trabalho, cabe ao movimento sindical combater com toda a força e solidariedade.

 

Enquanto as diferenças forem tratadas como desigualdades, e as relações de gênero utilizar-se de diferenças biológicas para favorecer um sexo em detrimento do outro, a construção de um outro mundo possível não passará de mera retórica.

 

* Neide Aparecida Fonseca é diretora da Contraf-CUT e presidenta da Uni Américas Mulheres

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