Por Neide Aparecida Fonseca*
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Vamos direto ao ponto. O Brasil é um país que não existe. Está fora do Mapa-Mundi.
Quem disso isso? A mídia e a intelectualidade brasileira, que estão se esforçando ao máximo para esvaziar o conteúdo político do 20 de novembro, tornando-o somente um dia de festa, e ao mesmo tempo acabar com a auto-estima negra.
A Casa Grande e Senzala esta de volta. É claro com nova roupagem, pois o racismo brasileiro é bastante criativo.
Se nos anos 30 Gilberto Freyre com sua obra propiciou a elite brasileira tranqüilidade de consciência de que a escravidão foi um processo tranqüilo, consensual, no terceiro milênio, a tônica é dar visibilidade à discriminação, ao racismo… dos outros.
Querem um exemplo disso?
No dia de ontem, 20 de novembro, a UOL – Noticias – Fotos, no seu Especial Consciência Negra – A história do preconceito racial no mundo, tirou o Brasil do Mapa-Mundi.
O especial conta a historia através de fotos do racismo nos Estados Unidos e na África do Sul, mas o título se refere ao preconceito racial no mundo.
O que serão então aquelas 30 mil pessoas marchando da Avenida Paulista à Praça Ramos em São Paulo? O que foi aquilo do Presidente Lula ir até o Rio de Janeiro homenagear João Candido? Por que ocorreram as muitas manifestações Brasil afora falando de um tal de Zumbi que formou um Quilombo plural contra a opressão de raça e classe?
A elite brasileira resiste em fazer a mea máxima culpa, resultante da estratégia de negação de discriminação racial adotada a partir da Era Vargas e reafirmada durante a ditadura militar. Reluta em abrir mão de privilégios, mesmo que simbólicos, e implementar políticas onde a igualdade de oportunidades e de tratamento sejam a tônica.
A complexidade do fenômeno racista brasileiro recria e cria novas estratégias, sejam teóricas, como a Revista Veja edição n.° 2087 de 19 de novembro de 2008, na matéria: O Enigma de Zumbi, embora afirmando que: “…o que realmente se sabe dele, como personagem histórico, é muito pouco. Seu nome aparece apenas em oito documentos da época, incluindo uma carta do governador de Pernambuco anunciando sua morte“, afirma que Zumbi foi dono de escravos e ainda que a figura de Zumbi é idealizada, tem muitas distorções, não retratando as circunstâncias históricas da época.
Sejam concretas, dando visibilidade à questão de uma forma onde o lúdico seja o centro. É o caso das reportagens e fotos do dia de ontem, onde a dança, o congraçamento inter-religioso foram mostradas sem uma maior explicação do seu significado.
Não podemos nos esquecer dos debates apresentados em todos os canais e emissoras de rádio que tentaram colocar o problema como sendo de cunho social.
Ora, todos sabemos que os problemas sociais são de natureza material, onde a divisão da riqueza é ponto central. No Brasil, 10% das pessoas detêm 75% da riqueza. O racismo embora esteja articulado com o fator social e material, se dá no âmbito cultural, sendo os seus efeitos extremamente nefastos, sejam eles simbólicos (porque materializáveis) ou concretos (materializados).
Por certo que as elites fazem a leitura correta do significado do 20 de novembro, e por isso a estratégia, que dá a aparente sensação de que aqui todos estão engajados na luta contra as injustiças do mundo, ao mesmo tempo em que se mantêm sutilmente o racismo nacional. Foi assim que ontem o Brasil sumiu do Mapa-Mundi, pelo menos no Especial que contou a história do preconceito racial no mundo (UOL).
É claro que nos arquivos dos diversos jornais, revistas, periódicos etc., devem existir fotos da década de 30 da Frente Negra Brasileira – movimento de caráter nacional, com repercussão internacional, que mais tarde tornou-se partido político, cassado pela Ditadura Militar; fotos da atuação da milícia frente-negrina, organização paramilitar; fotos da década de 50 quando do I Congresso do Negro Brasileiro, organizado pelo T.E.N. – Teatro Experimental do Negro; fotos da Associação José do Patrocínio, quando em 1941 entregava ao Presidente Getúlio Vargas documento reivindicando a proibição de anúncios discriminatórios contra trabalhadores negros e negras; fotos de 1945 quando de 10 a 12 de novembro aconteceu a Convenção Nacional do Negro, com o objetivo de preparar uma Plataforma de Ação para a Constituinte em prol da população negra; fotos da Frente Negra Trabalhista; fotos da União dos Homens de Cor dos Estados Unidos do Brasil, uma complexa e sofisticada rede que se espalhou por todo o Brasil na luta contra a discriminação; fotos da atuação do Comitê Democrático Afro-Brasileiro – que tinha como objetivos principais: extinção do Tribunal de Segurança Nacional; liberdade de palavra escrita e falada; liberdade de agremiação; direito de voto nos navios mercantes; reconhecimento do direito de greve; autonomia sindical; direito de sindicalização para o trabalhador das organizações autárquicas; assistência ao trabalhador rural; direito de sindicalização para as empregadas domésticas; liberdade de culto às religiões afro-brasileiras; ensino gratuito; punição às empresas que fazem seleção racial e de cor; abolição das seleções raciais e de cor na diplomacia; abolição da seleção de cor nas escolas militares; participação do negro nos assuntos de colonização e imigração; democratização de todas as organizações negras; criação de escolas de alfabetização em todo o território nacional -; fotos de negros sendo tratados de maneira discriminadora; etc.
Custo a crer que não ajam fotos de 1978, quando em plena ditadura militar, nas escadarias do Teatro Municipal, mais de duas mil pessoas negras protestaram contra a assassinato de Robson Silveira da Luz e contra a expulsão de quatro atletas negros do Clube Regatas Tietê, quando então foi criado o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR), hoje MNU.
Até o SNI, Serviço Nacional de Informações do Regime Militar, em um relatório de 14/07/1978, fala das manifestações nas escadarias do Teatro Municipal:
“Realizou-se em São Paulo no dia 7 julho de 1978, na área fronteiriça ao Teatro Municipal, junto ao Viaduto do Chá, uma concentração organizada pelo autodenominado “Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial”, cujos objetivos principais anunciados são: denunciar, permanentemente, todo tipo de racismo e organizar a comunidade negra…., os dados disponíveis caracterizam a existência de uma campanha para estimular antagonismos raciais no País e que, paralelamente, revela tendências ideológicas de esquerda…“.
Não dá para engolir a quase invisibilidade da mídia com a inauguração do busto de Zumbi e da Estátua de João Candido, no Rio de Janeiro, no dia de ontem (20/11/08).
Pois é, eles não nos perdoam por termos resignificado o 13 de maio; termos elevado Zumbi dos Palmares à categoria de herói nacional e termos escancarado o racismo derrubando a democracia racial tão bem engendrada pelas elites, através da nossa luta.
Eles fazem de tudo, até tirar o Brasil do Mapa!
*Neide Aparecida Fonseca é especialista em Direito Constitucional e Político e diretora da Contraf/CUT.