Deputados e sindicatos apontam ameaças aos direitos trabalhistas
Um taxativo “não” ao Projeto de Lei nº 4.330/04, do ex-deputado federal Sandro Mabel (PMDB-GO), que amplia as possibilidades de terceirização de mão de obra para além das atividades-meio. Esse foi o recado dado pelos participantes da audiência pública da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Ação Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Solicitada pelo deputado Rogério Correia (PT), a reunião foi realizada na tarde desta quarta-feira (18), em Belo Horizonte. Além de parlamentares, participaram representantes de vários sindicatos, centrais sindicais e outras entidades de defesa dos trabalhadores, que foram unânimes ao condenar o projeto.
A principal proposta defendida pelo grupo foi a de fazer uma caravana de trabalhadores e autoridades até Brasília no dia 7 de abril, para pressionar os deputados federais e senadores a retirarem da pauta a proposição. Esta seria a data que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciou para colocar o projeto em Plenário.
Alertado na reunião de que também o Senado está com um projeto de terceirização análogo ao PL 4.330/04 em pauta – PL 87/10, do ex-senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) -, o deputado Rogério Correia fez uma proposta. Ele sugeriu que as lideranças presentes fossem com ele ao gabinete do presidente da ALMG, deputado Adalclever Lopes (PMDB), para pedir urgência na marcação de visitas aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
O objetivo da visita aos parlamentares federais, segundo ele, é sensibilizá-los quanto ao risco que os dois projetos representam para os trabalhadores.
“Esses projetos precisam ser barrados. Eles permitem a terceirização de tudo, até de cargos da administração direta e indireta, com exceção das carreiras de estado”, revelou.
O deputado defendeu a união de todas as forças – trabalhadores, parlamentares e outras entidades representativas – para lutar contra as propostas em tramitação no Congresso Nacional.
Deputados alertam para risco de ‘desastre social’
O presidente da comissão, deputado Celinho do Sinttrocel (PCdoB), disse que está junto com os trabalhadores na luta contra os projetos de terceirização. “O PL 4.330/04 é uma ameaça terrível a direitos inscritos na Constituição, e sua aprovação será um desastre social e um retrocesso na legislação trabalhista”, alertou. Na opinião dele, os projetos da Câmara e do Senado reduzem salários e benefícios, além de permitirem a subcontratação de empresas, a chamada quarteirização.
O deputado Celinho do Sinttrocel acrescentou que as propostas em curso consagram a chamada “pejotização”, obrigando trabalhadores a abrirem empresas individuais para encobrir uma verdadeira relação de emprego. Ainda segundo o parlamentar, a terceirização possibilita a fragmentação continuada da empresa, precarizando as relações de trabalho, e em consequência, piorando as condições de segurança e de saúde no trabalho. Com tudo isso, a terceirização acaba por reduzir receitas da previdência e ampliar suas despesas, devido ao aumento de acidentes e doenças laborais.
A deputada Geisa Teixeira (PT) disse que a audiência desta quarta-feira era um momento importante por denunciar propostas de precarização de direitos trabalhistas. “Nós sabemos o quanto foi difícil para nós, trabalhadores, conquistarmos nossos direitos. E o PL 4.330/04 aponta para a perda de vários deles”, avaliou.
Já a deputada Marília Campos (PT) acredita que os projetos de terceirização vieram como estratégia para dividir os trabalhadores, já que subdividem as categorias profissionais. “A nossa principal bandeira deve ser a união de todos os trabalhadores. Estamos juntos nesta luta contra a precarização”, disse.
STF vai julgar legalidade do trabalho terceirizado
Ellen Mara Ferraz, diretora da Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais, foi bastante enfática contra os projetos federais de terceirização. “Temos que brigar não para arquivar esses projetos, mas para sumir com eles para sempre!”, disse.
A dirigente discordou de outros convidados que alertaram para a precarização do trabalho com a terceirização. “Ela não precariza as relações de trabalho, e sim, acaba com os direitos dos trabalhadores”, enfatizou.
Para ela, a terceirização é um crime de lesa-humanidade. “É contrária à nossa Constituição, além de contrariar várias convenções internacionais do trabalho”, completou.
Outra frente de luta contra a terceirização, segundo Ellen Ferraz, seria a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Ela informou que o STF está discutindo a ausência de regulamentação para a terceirização do trabalho no Brasil – atualmente o assunto é amparado legalmente apenas pela Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho.
Em breve, o STF terá que decidir questões como a definição do que são exatamente as atividades fim e meio de uma empresa e a própria constitucionalidade da terceirização. “O ataque aos direitos trabalhistas é global; estão querendo transformar trabalhador em mercadoria”, denunciou, defendendo uma audiência no STF.
Ataque aos direitos dos trabalhadores
José Antônio de Lacerda, vice-presidente da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), alertou que o processo de terceirização está em andamento no mundo inteiro. “As empresas querem reduzir custos, aumentar lucros e produtividade, em cima dos trabalhadores. A ideia agora é terceirização total, o que vai liquidar com o regime sindical”, afirmou.
Pedro Paulo de Abreu Pinheiro falou em nome do Movimento Mundo do Trabalho contra a Precarização. Na sua avaliação, o momento atual é de grandes dificuldades para os trabalhadores, e a terceirização contribui para piorar esse cenário.
O sindicalista explica que o processo de terceirização é deletério para o mundo do trabalho, pois amplia doenças ocupacionais, aliena o trabalhador, subdivide as categorias profissionais, fragmenta as campanhas salariais e dificulta a ação da Justiça do Trabalho. Na opinião dele, todos os trabalhadores têm que unir forças para se contrapor ao neoliberalismo, que “cria uma série de mecanismos para driblar as leis trabalhistas”.
Fernando Neiva, representante eleito dos empregados no Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal, que participou da audiência, manifestou a grande preocupação dos bancários com os efeitos nefastos do PL 4330. Se esse projeto for aprovado, os bancos poderão trocar até caixas e gerentes por terceirizados. “A terceirização é um verdadeiro ataque aos direitos dos trabalhadores”, alertou.
Mortes no setor elétrico aumentam 300% com terceirização
Vários sindicalistas abordaram os problemas dos eletricitários, os trabalhadores das empresas de energia elétrica. O presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas, Everson Tardeli, denunciou que, com a terceirização ampla na Cemig, os eletricitários foram divididos em várias categorias.
“Os técnicos que sobem em postes de luz, por lei, não são eletricitários; são trabalhadores da construção civil. Tem também os leituristas, considerados por lei trabalhadores do setor de serviços. A terceirização tem um fundo ideológico, que é o de burlar a legislação”, declarou.
Ele apresentou dados da Fundação Ford sobre os trabalhadores desse ramo. Em 1994, eram 39 mil eletricitários terceirizados; hoje são 127 mil para 104 mil contratados diretamente pela empresa principal.
Na Cemig, de um total de 18,9 mil eletricitários, apenas 8 mil são da própria empresa. “Na Cemig, morriam de duas a três pessoas por ano no trabalho. Agora ocorre uma morte a cada 45 dias. Houve aumento de mais de 300% no número de mortes no setor elétrico em Minas Gerais”, criticou, lembrando que ocorrem 250 acidentes a cada 45 dias na Cemig, 60% deles com terceirizados.
Para Jobert de Paula, diretor do Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais (Sindieletro), a atividade deles não só precariza, mas mata trabalhadores. Ele lembrou que a Cemig em breve terá 70% de terceirizados e afirma que não contrata mão-de-obra e sim, serviços. “Quem sobe na rede elétrica todo dia é uma pessoa, não um serviço”, protestou.
Por último, Jairo Nogueira Filho, diretor da Central Única dos Trabalhadores (CUT-MG), lembrou que foi constatado trabalho análogo ao escravo praticado por uma empresa terceirizada da Cemig. “Se aprovarem o PL 4.330/04, estarão matando as próximas gerações do País”, alertou.
Dieese aponta superexploração do trabalho
Avaliando a terceirização, o supervisor do Escritório Regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fernando Ferreira Duarte, tem constatado a superexploração do trabalho, evidenciada em vários aspectos: redução da remuneração, jornadas mais extensas, aumento do número de acidentes, mortes e doenças laborais. “Com a terceirização, perde-se o vínculo entre a empresa principal e o trabalhador e, com isso, ele perde direitos”, concluiu.
Ainda conforme Fernando Duarte, os projetos em tramitação no Congresso Nacional não são uma regulação da terceirização. “Está em questão a desregulamentação geral do trabalho, o que vai permitir a terceirização generalizada”, ressaltou. Por fim, ele avaliou que o discurso neoliberal aponta para um aumento da competitividade por meio da terceirização, que rebaixa salários e direitos. “Mas essa competitividade interessa ao projeto de desenvolvimento social e humano do País?”, questionou.
Deputados cobram providências
Além da solicitação do deputado Rogério Correia de encontro com os presidentes da Câmara e do Senado, foram aprovados outros requerimentos da comissão. Os deputados solicitam que seja marcada audiência com o presidente do STF, tendo também a participação das lideranças presentes à reunião desta quarta-feira.
Serão ainda encaminhados ofícios aos deputados federais mineiros para que se posicionem contrariamente aos projetos de terceirização em tramitação. A eles também será encaminhado um documento do Movimento Mundo do Trabalho contra a Precarização. E por fim, será enviado oficio à direção dos Correios, pedindo que abra negociações com os trabalhadores em greve.