A mulher do aposentado Domingos Conceição dos Santos, de 47 anos, baleado ao tentar entrar em uma agência do Bradesco na quinta-feira (6) em São Paulo, acredita que uma atitude racista possa ter motivado o crime contra o marido, que é negro.
Santos usa um marca-passo e apresentou um documento que comprova sua condição – e a impossibilidade de passar pela porta-giratória que bloqueia metais – ao vigilante do banco. Após uma discussão, o segurança sacou a arma e atirou na cabeça do aposentado. O funcionário do banco foi preso.
“Como pode um vigilante não deixar um cliente entrar no banco, atirar em um cliente? Se fosse um loiro, podia ter gritado na agência que entrava. Como ele é negro, grande, acharam que era um assaltante”, disse ao G1 na manhã desta sexta-feira (7) Vanda Soranso, de 60 anos.
Santos foi socorrido inicialmente para o Hospital Tide Setúbal, que é público. No local, não havia neurologista disponível para atendê-lo. A família, então, acionou o plano de saúde. Entretanto, a remoção só foi liberada sete horas depois.
Apesar de a assessoria de imprensa do Banco Bradesco ter informado que está auxiliando a família, Vanda contesta. “Ninguém do banco veio nos procurar. Eles podiam ter ajudado a fazer a remoção mais rapidamente. Só às 17h apareceu uma assistente social do banco, que perguntou do estado de saúde dele para o médico e foi embora. Depois, ninguém falou mais nada”, disse a aposentada, que planeja processar o Bradesco. A assessoria de imprensa do banco informou que uma assistente social acompanha a família do aposentado.
Segundo Vanda, os médicos do Hospital São Camilo, para onde a vítima foi transferida, disseram que a demora na remoção e na realização de uma cirurgia prejudicaram o estado de saúde já delicado do aposentado. Ele passou por uma cirurgia na noite de quinta, e está internado em estado grave e coma induzido.
De acordo com Vanda, os médicos disseram que seu marido corre risco de morte. “O médico descartou a possibilidade dele acordar. Agora é só esperar.”
Doença de Chagas
Depois de colocar o marca-passo – necessário após a constatação de que Santos tinha a doença de Chagas – ir ao banco se tornou mais difícil. “Às vezes olhavam feio para ele, porque a carteirinha é só um papel com um carimbo do hospital. Mas ele sempre conseguiu entrar. Chamavam o gerente e eles liberavam”, conta Vanda.
Santos trabalhou como cozinheiro em uma montadora de carros até 2001. Na época, foi demitido, mas como já tinha um histórico de convulsões, passou a receber auxílio-doença. Há dois meses, recebeu a notícia de que havia conseguido a aposentadoria por invalidez, definitiva.
Na quinta, foi pela segunda vez à agência do Bradesco, onde iria pagar contas e sacar parte do dinheiro. No banco que costumava ir anteriormente, ele já era conhecido e não enfrentava mais problemas. Entretanto, o segurança disse que o aposentado não iria entrar no banco. Ele, irritado, afirmou que entraria. Foi quando ocorreu o disparo que atravessou a cabeça da vítima e atingiu outro cliente de raspão.
Alegria
Segundo a família, o aposentado estava muito feliz com a aposentadoria e planejava trocar o carro da mulher. “Ele foi todo feliz ao banco, porque agora era um dinheiro definitivo. Antes não dava para pensar em entrar em uma prestação”, contou Vanda, que trabalhava em banco antes de se aposentar.
Animado, Domingos tinha se programado para passar o fim de semana cozinhando – foi chamado pela igreja que a família frequenta para cozinhar na festa de Dia das Mães. “Ele já ia amanhã [sábado] adiantar o almoço. Ele sempre gostou muito de cozinhar, ficava feliz da vida, se sentia realizado”, contou a mulher.
Casados há 28 anos, os dois moram em São Miguel Paulista, na Zona Leste de São Paulo, próximo à agência onde ocorreu o crime. Um dos dois filhos do casal ainda vive com os dois – Vanda também tem outras duas filhas de um primeiro casamento. Agora, a família vai adequar sua rotina à do hospital.
Na quinta-feira, o plano era passar a tarde no local para fazer as visitas à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), na hora do almoço e no início da noite. “A gente sempre acha que isso só acontece na casa dos outros e vem e acontece coma gente.”