José Paulo Kupfer: Faltam uns “chega-pra-lá” nos bancos

Blog do José Paulo Kupfer

O Ipea divulgou um levantamento com o objetivo de retratar o sistema bancário brasileiro, comparando dois momentos – 1996 e 2006 – e concluiu que a concentração bancária, no Brasil, crescente no período, obedece à mesma e perversa lógica da concentração de renda no Brasil, contribuindo para cristalizar a perversão. Faz sentido. Afinal, banco só empresta para quem tem dinheiro, não é mesmo?

No mesmo estudo, o Ipea comparou as taxas de juros efetivas cobradas no Brasil com as praticadas em outros países. Para tanto, fez uma maldade: comparou as taxas cobradas pelos mesmos bancos estrangeiros que operam no Brasil, aqui e na matriz. Encontrou, como era de se esperar, diferenças escalafobéticas. Há casos em que essa diferença é de dez vezes.

A Federação dos Bancos, naturalmente, esperneou. Contestou os indicadores de acesso bancário (número de agências por habitante) utilizados pelo Ipea e defendeu-se com a afirmação de que a distribuição geográfica e de oferta de crédito dos bancos apenas reflete a distribuição regional do produto interno bruto.

Quanto à comparação de taxas de juros, nos Brasil e em outros países, a Febraban insinuou que o Ipea misturou bananas com laranjas. Pode ser. De fato, aqui a taxa básica é muitas vezes maior do que lá fora, há depósitos compulsórios que lá não são retidos e, em diversos casos, os impostos e taxas, no Brasil, são mais altos. Sem falar no direcionamento de linhas de crédito a atividades específicas, do qual os bancos, no Brasil, reclamam com insistência. Mas.

Muitos desses fatores podem até ajudar a explicar as diferenças, mas não as justificam. Segundo o Banco Central, a composição do spread bancário no Brasil, em média de 28,4%, inclui, por exemplo, quase 40% por conta do risco de inadimplência e perto de 25% de lucro. Os custos administrativos inflam a conta em quase 15% e os impostos, taxas e tributos agregam outros 5%.

Tudo bem que os níveis de inadimplência tendem a aumentar na razão direta do nível das taxas de juros. Isso é fato, como é fato que os níveis de inadimplência aumentam em momentos de crise econômica. Mas daí a carregar na mão e, praticamente, eliminar o risco do negócio, eu também quero. Falando sério, conseguir eliminar riscos nestes níveis é coisa só possível onde não há competição nem o regulador (no caso, o Banco Central) atua com eficiência.

A verdade é que tem faltado aos governos, à frente o responsável direto no governo pela área, vontade para operar reduções consistentes nos spreads. Isso vem de longe, mas, para não recuar demais, basta lembrar o que se dizia quando, logo na entrada do Plano Real, foi anunciado como a “solução” do problema: o ingresso de bancos estrangeiros, vendidos então como mais eficientes que os locais. Visto de hoje, o argumento é risível.

Tempos depois, entro em cena a nova lei de falências. Durante o largo período de sua gestação, a nova lei foi vendida como a panacéia universal dos males peculiares da economia brasileira. De frieira no pé a juros altos, tudo estaria resolvido com a aprovação da nova lei. Bem, a lei está aí, tem confirmado suas vantagens na administração de crises empresariais, mas nem as frieiras e muito menos os juros altos foram vencidos.

Agora a “solução” para os juros altos é o controvertido cadastro positivo. No mercado financeiro, a começar do presidente do Banco Central, todos esperam a chegada do novo santo para celebrar a redução dos juros brasileiros a padrões razoáveis, em comparação com os praticados no resto do mundo.

Como é difícil acreditar que só essa providência será suficiente para operar o milagre, eu já estou me preparando para a próxima. Não duvido nada que a cara de pau dessa turma ainda vai pegar para pato um dos seus suspeitos preferidos de sempre. Não seria surpresa, para mim, se aparecerem com a história de que os juros só vão cair quando for feita. a reforma da Previdência.

A substituição do presidente do Banco do Brasil, que resistia a reduzir os juros cobrados pela instituição, anunciada justamente hoje, de todo modo, pode ser um ponto de virada nesse capítulo lamentável da história econômica brasileira. E o desabamento das ações do BB logo após o anúncio da troca é um alvissareiro sinal de que os juros no bancão oficial – e um pouco da rentabilidade – agora podem mesmo cair.

O poder dos bancos públicos, é certo, já não é o mesmo de antigamente – houve, principalmente no governo FHC, um forte empenho em reduzir-lhes o peso. Mas eles ainda podem ser um eficaz instrumento de pressão sobre o mercado, como, aliás, nota a carta do insuspeito Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, também distribuída hoje.

Há mais ainda a ser feito. Por exemplo: estímulos específicos (menos compulsórios para quem baixar os juros, ou linhas de redesconto mais camaradas para quem baixar os juros, etc. etc. etc.).

Tem gente boa que acha que o caso dos spreads bancários no Brasil é um simples caso de polícia. Sem chegar a tanto, a autoridade monetária está mesmo devendo uns “chega-pra-lá” nos bancos.

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