Encontro, que durou três dias, foi realizado em Fortaleza
Depois de três dias com diversas apresentações sobre a importância da educação financeira, da proteção e da inovação tecnológica foi encerrado nesta quarta-feira 6 o V Fórum Banco Central sobre Inclusão Financeira, realizado em Fortaleza, no Ceará. Durante o evento, foram tratadas as principais novidades referentes ao sistema de pagamentos via telefonia celular, conhecida como mobile payment, assim como os diferentes aspectos da nova Lei 12.865/13, após edição da MP 615, que trata das alterações no Sistema de Pagamentos Brasileiros, dos novos arranjos e das instituições de pagamentos a partir da introdução do uso de celulares, smartphones e tablets para operações de compra e pagamento.
A Contraf-CUT foi representada pelos dirigentes Miguel Pereira, da Secretaria de Organização do Ramo Financeiro, Andrea Vasconcelos, da Secretaria de Políticas Sociais e Vivian Rodrigues, economista do Dieese, que acompanharam os três dias de fórum com extrema atenção e preocupação.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central editaram, respectivamente, as Resoluções nº 4.282 e 4.283 e as quatro circulares, todas no dia 4 de novembro de 2013, instituindo o marco regulatório inicial, que impossibilitou uma análise aprofundada devido ao desconhecimento e ineditismo das medidas. A Subseção do Dieese/Contraf-CUT produzirá uma nota sobre as recentes medidas divulgadas. No fórum, representantes do Ministério da Justiça e do Ministério Público Federal já colocaram em xeque algumas das medidas com diversos questionamentos, entre eles a defesa do consumidor e a segurança das operações.
Questionamentos
Logo na abertura, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, provocou debate ao lembrar que os dois setores (bancos e telefonia móvel) já são os campeões de reclamações dos usuários dos serviços. Antonio Carlos da Fonseca Silva, subprocurador Geral da República e coordenador da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), abriu sua apresentação indagando o BC sobre quais serão os mecanismos adotados para a prevalência dos princípios anunciados nas circulares do BC sobre a garantia da liberdade de escolha, a proteção da privacidade e proteção de dados pessoais, assim como os interesses econômicos do consumidor.
O subprocurador também quis saber como o BC agirá para que tudo isso não se torne letra morta e os consumidores sejam prejudicados. Ainda lembrou que um dos requisitos exigidos pela lei é a chamada interoperatividade. “Ora, como exigir tal conectividade se atualmente os celulares não têm servido com qualidade nem mesmo em sua funcionalidade básica, que é a de falar”, questionou o Fonseca Silva. Também destacou que o Art 9º, parágrafo 4º, que prevê a possibilidade de audiências públicas por parte do BC, não foi cumprida.
Riscos de fraude
Outros elementos importantes levantados por Antonio Carlos da Fonseca Silva são referentes às possibilidades de fraudes, uma vez que o público alvo, neste momento, são os integrantes das classes C, D e E, que não dispõem de muitas informações. Para Danilo César Maganhoto Doneda, do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, a aposta nessas novas tecnologias representam muitos riscos, que não podem ser absorvidos pelos consumidores, mas pelas empresas que os criaram.
“Quem responderá ao cidadão, ao consumidor, caso seus recursos transferidos ou pagamentos efetuados não sejam de fato efetuados ou se seus recursos desapareçam da conta?”, questionou Doneda.
Para Doneda, o BC poderia ter sido mais rigoroso ao definir as normas de segurança da informação e dados dos clientes, como ocorre em outros países, e que deveriam ter sido proibidos os contratos de exclusividade entre empresas de comunicação e os bancos. “Como a natureza do negócio já traz consigo interesses incompatíveis, tudo indica que essa nova prestação de serviços tenderá a ser altamente conflituosa”.
Representantes do BC limitaram-se a responder que quanto às definições das tarifas, nada melhor que o próprio mercado para definir as taxas a serem cobradas. Já as demais ponderações ficaram sem respostas. Para Eduardo Fumes Parajo, representante da Associação Brasileira de Internet (Abranet), é imprescindível a confiança dos consumidores nos serviços via internet e celular, assim com novas tecnologias em geral. “Se a população não confiar, não vai pegar. O BC deverá ficar atento para evitar a concentração do mercado nos meios de pagamentos”.
Conforme os dados apresentados no evento, enquanto nos Estados Unidos há dezenas de empresas atuando com o novo sistema, sendo a maior delas com apenas 12% do mercado, no Brasil apenas duas empresas, a Cielo e a Rede, detêm juntas 90% do mercado. Um caso internacional interessante trazido ao evento, ainda que não possua menor margem de comparação com o Brasil, foi o da Tanzânia, que usou o mobile payment para um processo de inclusão. Só que naquele país, dentre outras questões, a transparência das informações foi levada a sério, chegando a ser emitido extrato diário com as informações da emissão de moedas eletrônicas, para que todos saibam se se está cumprindo as metas comprometidas.
Muito diferente do Brasil, cujos relatórios contábeis dos bancos pouco dizem à sociedade”, compara Miguel Pereira, secretário de Organização da Contraf-CUT.
Correspondentes Bancários
No painel Diagnóstico da Inclusão Financeira no Brasil, Caitlin Sanford, da Associate of Bankable Frontier Associates, apresentou pesquisa específica sobre a adoção e o estímulo do uso dos correspondentes bancários no Brasil. “Os dados comprovam tudo aquilo que de maneira empírica a Contraf-CUT já denunciava há muito tempo: os correspondentes bancários não serviram para incluir ninguém mesmo após os últimos 15 anos, com todas as facilidades garantidas pelas Resoluções do Bacen”, diz Miguel Pereira.
De acordo com a pesquisa, entre os usuários dos serviços de correspondentes bancários 68% apenas pagam suas contas; 12% sacam; 9% depositam; 4% abriram contas e 6% têm crédito via os correspondentes. Entre os principais usuários estão pessoas com menor poder aquisitivo, trabalhadores informais e clientes da Caixa. As mulheres são as principais usuárias. Uma das perguntas de Caitlin, que também ficou sem resposta, foi: Por que os bancos não aproveitam essa oportunidade para inclusão de 79% de pessoas não bancarizadas, que, regularmente, usam os serviços de correspondentes bancários para pagarem todos os meses suas contas?
“Com certeza, nossa resposta a esse questionamento é porque simplesmente os bancos não querem tê-los como clientes. Os correspondentes servem apenas os bancos reduzirem seus custos com mão de obra, terceirizando o atendimento dos mais pobres”, afirma Miguel Pereira. O levantamento mostrou ainda que os usuários prefeririam ser clientes dos bancos e atendidos em agências bancárias, apontando que se sentem mais seguros e com os dados pessoais mais protegidos.
Envolver outros atores na discussão
Para Miguel, a participação durante os três dias de fórum foi muito importante para ter acesso a um grande volume de informações desse novo processo que se inicia e que irá em breve impactar o trabalho e o nível de empregos da categoria, bem como estabelecer contatos com atores sociais que comungam das mesmas preocupações.
“Muitos setores da sociedade, assim como nós, também estão expressando preocupações muito parecidas como as que formulamos ao BC em ofício e que até o momento não obtivemos as respostas. Vamos continuar insistindo, até porque o BC afirmou que essas normas são prudenciais e que a regulação virá gradativamente”, acrescenta Miguel.
A diretoria da Contraf-CUT aprovou convocar o Macrossetor de Serviços, convidando a CUT a participar, para aprofundar o debate dos impactos das novas tecnologias na organização, divisão e nível de emprego das categorias envolvidas: bancários, comerciários, telecomunicações, TI, Vigilância em Segurança Bancária e Processamento de dados.