Artigo de Graça Costa: Desmistificando a candidatura da “terceira via”

Nas eleições de 2010, a ex-ministra Marina Silva já havia tentado colocar-se como uma candidata alternativa ao PT e PSDB. Agora reforça esse apelo colocando-se como a portadora da “terceira via”, vendendo a ideia de que se eleita implementará uma “nova política”, uma “nova agenda” e “novas propostas”.

Sem ter conseguido criar seu próprio partido (a Rede de Sustentabilidade) Marina aderiu, com “ressalvas”, à “Coligação Unidos Pelo Brasil”, composta pelos partidos PSB, PPS, PPL, PRP, PHS e PSL. Consciente das diferenças programáticas não teve que se expor até que um trágico acaso a colocou no todo como a candidata a presidente, tendo como vice o deputado federal Beto Albuquerque, um forte interlocutor do agronegócio, setor que antes fazia parte das ressalvas de Marina.

Para consolidar-se como candidata, Marina assumiu muitos compromissos com segmentos empresariais, onde destacamos os bancos. Para confirmar isso basta ver as propostas de independência do Banco Central, a contenção do crescimento do BB e da Caixa e a aproximação de nomes como Lara Rezende e Armínio Fraga – fieis colaboradores do sistema financeiro brasileiro. Outro exemplo do corte conservador-liberal do programa é a defesa da terceirização, medida que coloca em risco os avanços conquistados nos últimos anos pela classe trabalhadora.

O eixo dois do programa de governo da “Coligação Unidos Pelo Brasil” afirma que: “a terceirização de atividades leva a maior especialização produtiva, a maior divisão do trabalho e, consequentemente, a maior produtividade das empresas”… “há no Brasil um viés contra a terceirização, e isso se traduz bem no nosso sistema tributário, que impõe impostos como ISS e ICMS − em cascata ou cumulativos − em transações que envolvem duas ou mais empresas. A consequência: algumas atividades que poderiam ser terceirizadas por empresas acabam realizadas internamente, em prejuízo da produtividade, porque essa forma de tributação eleva os custos e tira a vantagem da operação” e “existe hoje no Brasil um número elevado de disputas jurídicas sobre a terceirização de serviços com o argumento de que as atividades terceirizadas são atividades fins das empresas. Isso gera perda de eficiência do setor, reduzindo os ganhos de produtividade e privilegiando segmentos profissionais mais especializados e de maior renda”.

Diante desse diagnóstico, a candidatura Marina Silva, visando uma “maior eficiência, produtividade e competitividade” da economia brasileira, propõe a seguinte medida caso eleita: “disciplinar a terceirização de atividades com regras que a viabilizem, assegurando o equilíbrio entre os objetivos de ganhos de eficiência e os de respeito às regras de proteção ao trabalho”.

É a defesa de uma terceirização ampla e irrestrita, sob a falsa justificativa de que desta forma as empresas brasileiras seriam mais eficientes, produtivas e, portanto, competitivas nesse mundo de economia globalizada.

Os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras conhecem muito bem o que a terceirização significa nos dias de hoje, a precarização tanto das relações quanto do direito do trabalho e não aceitarão a institucionalização da precarização das relações trabalhistas, através da terceirização indiscriminada, que propõe a candidata Marina Silva.

Foi contra isso que ano passado a CUT e as outras centrais sindicais tanto lutaram, conseguindo impedir a votação do PL 4330 que buscava institucionalizar essa forma selvagem de terceirização.

A legislação trabalhista e algumas decisões tomadas pelo Tribunal Superior do Trabalho, apenas permitem terceirização de atividades muito especificas (segurança, alimentação etc.). Mas, cada dia mais empresas descumprem essas regras e ampliam as atividades subcontratadas. Hoje no Brasil existem mais de 10 milhões de trabalhadores terceirizados, ou seja, 22% dos 45 milhões de trabalhadores e trabalhadoras que estão no mercado formal de trabalho.

Porque as empresas se utilizam da terceirização? O principal objetivo é reduzir os custos, substituindo os funcionários permanentes por outros contratados de forma temporária. Em geral os trabalhadores e as trabalhadoras terceirizadas ganham menos e trabalham mais horas do que os funcionários da empresa contratante. Condição que aumenta os problemas de falta de segurança no trabalho e de doenças profissionais. A cada dez acidentes de trabalho fatais, oito acontecem com os terceirizados.

Com frequência empresas terceirizadas descumprem direitos trabalhistas, principalmente não pagando todas as verbas rescisórias ao término do contrato, atrasando salários e não pagando férias e o 13º salário. Essas condições diferenciadas ainda criam situações de discriminação no ambiente de trabalho.

No serviço público a situação não é diferente. É pior ainda, pois além de rebaixar as condições de salário e trabalho dos trabalhadores, a terceirização tem afetado a qualidade dos serviços públicos prestados à população.

Outra face nefasta da terceirização é o trabalho em condições análogas à escravidão. Conforme dados do Departamento de Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho e Emprego, nove dos dez maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à de escravos no Brasil entre 2010 e 2013, os trabalhadores vitimados eram terceirizados. E mais, nos oito maiores casos entre os resgates ocorridos em 2013, a totalidade dos trabalhadores tinha contratos, mas todos eles eram terceirizados.

E o que fazem os sindicatos diante disso? Como a estrutura sindical brasileira não prevê o sindicato por ramo, os funcionários da empresa subcontratada não são representados pelo sindicato da atividade principal, perdendo os benefícios conquistados pela convenção coletiva daquela categoria profissional. Por isso lutamos e continuamos lutando contra as tentativas de se aprovar leis que permitam essa precarização do emprego – como é o caso do PL 4330- e nos colocamos contra uma candidatura que defende um retrocesso sem igual na história do país.

Nós defendemos que a utilização do trabalho terceirizado seja regulamentada, sendo permitida apenas em casos muito específicos, com a plena vigência dos direitos trabalhistas e sociais fundamentais. Somos terminantemente contra a terceirização de atividades fins e defendemos que a empresa contratante assuma solidariamente os salários e encargos sociais caso as contratadas não o façam, tanto no setor privado quanto no público.

Queremos que a lei garanta plena igualdade de direitos e condições de trabalho entre empregados diretamente contratados e trabalhadores terceirizados, com inclusão de mecanismos que impossibilitem a fraude a direitos; que assegure a prevalência da norma mais favorável entre os instrumentos coletivos de trabalho que incidam sobre uma mesma empresa e que assegure a representação sindical pelo sindicato preponderante.

A Plataforma Eleitoral que a CUT aprovou e apresentou publicamente defende essas propostas. A candidata Dilma Rousseff comprometeu-se com essas propostas e nós esperamos que tudo isso seja realidade no próximo ano. Temos que reeleger a Presidente Dilma e cobrar de forma permanente o direito de todo trabalhador e toda trabalhadora desfrutar de um trabalho decente, que preze pela valorização social do trabalho e que garanta a dignidade do trabalhador.

Não podemos permitir que candidatos que representam o retrocesso e o aumento da precarização do trabalho, como são Marina e Aécio, ganhem as eleições. Temos de deixar clara a hipocrisia do discurso de Marina, que construiu sua trajetória nas bases do PT, mas que hoje defende as propostas mais retrógradas e comprometidas com a elite financeira, social e política do Brasil.

Maria das Graças Costa
Secretária de Relações do Trabalho da CUT

Artigo publicado no portal Brasil 247 em 02/09/2014

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