Folha: Lula sugere estatização de banco no exterior

Presidente defende que países ricos tenham “coragem” para assumir instituições e faz alerta contra protecionismo

Petista elogia ainda o seu partido por ter tido o “desaforo de pensar diferente” do “Manifesto Comunista” de Marx e Engels

FOLHA DE SÃO PAULO
SIMONE IGLESIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem a estatização dos bancos nos países diretamente atingidos pela crise financeira, em vez de trabalharem com o intuito de salvá-los com injeção de recursos.

“Será que os países ricos vão continuar apenas colocando dinheiro com o intuito de salvar bancos ou será que alguns países terão coragem, sem medo da palavra, de estatizar os bancos, recuperá-los, fazer voltar o crédito e depois, então, se quiserem, entregarem os bancos a quem eles entenderem que devam entregar?” E logo complementou: “O que não pode é a gente ficar colocando água na panela quente sem colocar os ingredientes para fazer a comida, porque a água evapora. O que nós precisamos é colocar os ingredientes para, daquela água, a gente fazer a nossa comida e sobreviver”.

Num discurso com referências ao socialismo, Lula citou o “Manifesto Comunista”, de Karl Marx e Frederich Engels (1848). Segundo ele, situações dramáticas como a atual crise financeira devem servir como uma oportunidade de repensar as coisas e mudá-las. Nesse contexto, afirmou, surgiu o PT.

“Quando caiu o Muro de Berlim [1989], fui muito criticado porque dizia que aquela era a oportunidade de a gente repensar as coisas no mundo, porque até então estava tudo escrito”, disse. “O “Manifesto Comunista” dizia tudo o que a gente tinha que fazer, o Marx já tinha dito tudo o que tínhamos que fazer. Era como se nós tivéssemos que ser um pequeno robô, sem o direito de pensar. O meu partido nasceu exatamente do desaforo de pensar diferente.”

Lula aproveitou para criticar o “neoliberalismo”, dizendo que “experimenta seu crepúsculo”. O presidente, que falou durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, alertou para as medidas protecionistas adotadas pelos países, ao afirmar que elas podem levar a uma piora da crise.

“Não podemos passar do vale-tudo financeiro, que jogou o planeta na situação atual, para o vale-tudo protecionista, que certamente nos jogaria numa crise ainda pior do que aquela que resultou na Segunda Guerra Mundial (1939-45)”, disse. Lula criticou também visão de governos que consideravam que o Estado atrapalhava “o deus mercado”.

“As pessoas eram eleitas sob a égide de que o Estado não valia nada e que, portanto, o papel do governante era diminuí-lo o máximo possível porque atrapalhava o desenvolvimento da economia”, afirmou. O presidente, que participará de reunião do G20, no mês que vem, em Londres, disse que os países estão obrigados a recuperar o papel do Estado na economia.

“Ninguém sabe também quantos trilhões de dólares atravessavam os oceanos sem passaporte nem nada e, com a crise, desapareceram”, disse.

Lula ironizou o tamanho que bancos tinham anteriormente em tabelas demonstrativas de sua participação no mercado: “Os grandes bancos, que pareciam ser uma grande pizza, hoje são uma minipizza”.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que participou do Conselhão no período da tarde, disse que a crise econômica mundial deve se estender além de 2010 e não vê uma recuperação neste ano a partir do segundo semestre. Segundo ele, o mundo continuará vivendo um período longo de estagnação do crescimento econômico e de deflação da riqueza mundial nos próximos anos.

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