Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, o presidente da CUT-SP, Edílson de Paula, fala sobre o significado do ato “Contra a especulação, contra o aumento da inflação e em defesa dos salários”, convocado pela Central para a próxima quinta-feira (17), às 10 horas, em frente à Fiesp e a instituições financeiras na avenida Paulista.
Sob o pretexto do combate à inflação, a direita e sua mídia advogam o arrocho nos salários, enquanto o BC ameaça aumentar novamente os juros. O que a CUT propõe?
Nos últimos meses, o Brasil tem convivido com o despertar do “fantasma” que há muito tempo não incomodava a população: o crescimento da inflação. Mas é bom salientar que o tão noticiado “surto inflacionário” em nosso país na verdade tem origem na especulação externa, particularmente no aumento de preços do petróleo e dos alimentos, que viraram uma commoditie. Como tudo que é produzido tem um componente pesado de transportes e, no caso dos produtos agrícolas, também dos fertilizantes, hoje nas mãos de três grandes multinacionais, os efeitos desse processo especulativo são claros. O IPCA, índice oficial da inflação no Brasil, indicou uma variação acumulada de janeiro a maio de 2008 de 2,71%, porém somente o item alimentação apresentou variação de 5,55%. Resumindo: o problema não se resolve arrochando o salário do trabalhador nem aumentando o juro, mas fortalecendo políticas públicas que diminuam a nossa dependência externa, aumentando o poder de consumo e expandindo o mercado interno. Por isso o nome lema é contra a especulação, contra o aumento da inflação e em defesa dos salários.
Explique um pouco mais sobre esta questão da especulação com os alimentos?
Só a título de comparação, a inflação de maio de 2007 a maio de 2008 foi de 5,58%, enquanto para os alimentos foi de 14,63%, contra apenas 3,21% dos demais itens. Os principais “vilões” foram a carne bovina, feijão, panificados (trigo), leite, arroz e óleo de soja, respondendo somente estes 6 itens por quase 60% do aumento dos preços dos alimentos no IPCA. No acumulado entre janeiro e maio os produtos alimentícios que mais subiram de preço foram o tomate (66,82%), feijão preto (46,4%), arroz (25,75%) e farinha de trigo (22,57%). Para dar uma idéia do tamanho da especulação, cito a CBOT (Chicago Board of Trade), maior bolsa de commodities agrícolas do mundo, onde o preço da saca do arroz subiu de US$ 15,50 para US$ 24,46, nos últimos três meses.
Atualmente, o alto preço dos fertilizantes é o responsável entre 40 a 50% do custo total da produção.
Esta é uma denúncia que vem sendo feita pelos companheiros da CUT do Paraná e o próprio governo tem sinalizado com a perspectiva de reestatização do setor de fertilizantes. Vale lembrar que após 15 anos da privatização do setor por FHC, o país importa mais de 70% dos insumos que utiliza. A Bunge controla hoje no país 52% da produção de fertilizantes, 98% se somada às multinacionais Yara e Cargill/Mosaic. Dominado o setor, o cartel transnacional vem promovendo aumentos abusivos nos preços dos insumos. O enxofre, por exemplo, chegou a aumentar 900% em apenas um ano, de maio de 2007 a maio de 2008. O ácido fosfórico subiu 259% e o cloreto de potássio 246%. Hoje, o Brasil importa 17,3 milhões de toneladas, o que corresponde a 65% do fertilizante que consome, um modelo completamente dependente e que precisa ser revisto, para garantirmos nossa soberania alimentar, com alimento barato para a população.
A classe trabalhadora é a mais penalizada…
Evidente. O Índice de Custo de Vida (ICV-Dieese) indica uma inflação acumulada entre janeiro e junho de 2008 de 3,61%. Porém, a variação do preço dos alimentos foi de 7,75% no mesmo período para aqueles que têm menos renda, ou seja, 33% das famílias. Para efeito de comparação, no mesmo período, a inflação para o 1/3 dos mais ricos foi de 3,27%, o que quer dizer que os mais pobres foram mais penalizados. Se estivéssemos vivendo em um país no qual a classe empresarial defendesse os interesses da nação, o combate a este “surto inflacionário” seria mais fácil. No nosso entender em vez de pegarem carona no aumento dos preços internacionais, os empresários deveriam denunciá-los e combatê-los. Assim, com uma diminuição considerável da taxa de juros, o governo estimularia o aumento dos investimentos e a expansão da capacidade produtiva, eliminando por completo qualquer risco de inflação de demanda. Este é o caminho do crescimento econômico com geração de emprego e redistribuição de renda, o proposto pelo BC é um tiro no pé.
E a questão dos salários?
Este é outro aspecto importante da conjuntura econômica, o rendimento dos salários. Apesar da diminuição das taxas de desemprego, o rendimento salarial cresce em ritmo menor que a produtividade na indústria, o que em teoria possibilita a absorção de aumentos de custos pelas empresas. É preciso ressaltar que os reajustes salariais dos últimos anos ainda permanecem abaixo dos ganhos de produtividade de todos os setores de atividade. A indústria, em 2007, aumentou a produtividade em 4,16%, enquanto o rendimento médio do trabalhador cresceu 1,3%. No acumulado dos últimos 15 anos, a produtividade do setor industrial cresceu 150%. O rendimento mensal médio dos brasileiros, apesar do recente processo de recuperação conquistado, ainda é baixo. Não existem argumentos que indiquem alta generalizada de preços fruto do aumento do consumo interno derivado do aumento de renda dos trabalhadores e do crédito.
O foco inflacionário está limitado aos alimentos.
Exato. O que se observa é que alguns itens alimentícios sofreram uma forte disparada em seus preços, fruto de especificidades momentâneas (quebra de safras), e do aumento artificial dos preços das commodities agrícolas no mercado internacional, causado pela especulação, principalmente de grupos que perderam dinheiro na crise imobiliária americana e começam a fazer da fome um negócio altamente rentável.
O fundamental agora é garantir a continuidade do processo de recuperação salarial.
A preocupação essencial da CUT neste momento é proteger os salários, que o Banco Central diminua as taxas de juros para proporcionar mais investimentos na produção de alimentos e que os empresários cumpram com sua palavra de que com o fim da CPMF os preços baixariam. O que vimos até agora foi justamente o contrário: a classe empresarial aumentou seus lucros e pega carona na onda inflacionária mundial, majorando os preços aqui no Brasil. Diante disso, há uma tendência das campanhas salariais ganharem impulso neste semestre, com uma multiplicação das greves.