O Estado de São Paulo
Bruno Paes Manso
Para onde quer que se olhe no Brasil, os números do desrespeito aos direitos humanos na área de segurança são excessivos. Desde o começo da década, entre 45 mil e 51 mil assassinatos ocorrem todo ano no País. Só em São Paulo e no Rio, entre 2002 e outubro do ano passado, foram 12.972 mortes de civis em supostos confrontos com policiais. As prisões permanecem superlotadas, com déficit de quase 140 mil vagas.
Os direitos humanos voltaram ao centro do debate após a divulgação do Programa Nacional de Direitos Humanos, no final do ano passado. O decreto avança para aborto, controle social da mídia e revisão da Lei da Anistia, o que gerou reações contrárias de entidades, da Igreja e dos militares. O presidente Luiz Inácio Lula da Sila teve de amenizar o tópico da Comissão da Verdade, que tinha entre os objetivos punir torturadores.
A tortura, porém, se antes era feita nos porões, hoje ocorre em público. Na maior parte das vezes, não aparece nos registros oficiais. Foi o que mostrou pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que ouviu quase 5 mil jovens entre junho e julho do ano passado e constatou que 57,6% dos moradores de bairros violentos presenciaram mais de um caso de violência policial no período de um ano.
RESPONSABILIDADE
O setor de segurança pública não produziu só más notícias desde 2002. Especialistas apontam que os principais avanços começaram em 2007, com o lançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que marcou a iniciativa do governo de repartir a responsabilidade em um assunto que era considerado tarefa exclusiva dos Estados.
“Se olharmos os números, existe pouco para comemorar. Mas a divisão das responsabilidades no setor é uma novidade importante”, afirma o sociólogo Renato Sérgio de Lima, secretário executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Até pela demora em tirar o projeto do papel, os resultados no dia a dia ainda não apareceram. Os homicídios, que em 2003 atingiram recorde de casos no Brasil, com 51.043 ocorrências, caíram nos anos seguintes, principalmente pela redução no Estado de São Paulo. Foi também nesse ano que o País aprovou o Estatuto do Desarmamento, que, entre outras medidas, tornou crime inafiançável a posse de armas ilegais.
Para enfrentar a violência e melhorar o trabalho das corporações policiais de forma mais efetiva, o governo passou a indicar, com a anuência de governadores, delegados da Polícia Federal para comandar 17 secretarias de Segurança nos Estados.
Alguns resultados estão surgindo. No ano passado, Pernambuco e Alagoas, marcados pelo elevado número de homicídios, reverteram a tendência. “Existem políticas que deram certo e precisam ser replicadas”, diz o sociólogo Ignacio Cano, pesquisadordo Laboratório de Análises da Violência e professor da Uerj. Como exemplo de resultado efetivo da parceria entre Estado e União, ele cita as Unidades de Polícia Pacificadora, que ocupam morros no Rio com a ajuda do Pronasci.
A diretora executiva da ONG Justiça Global, Andressa Caldas, vê com ceticismo as parcerias por iniciativa federal. Ela compara o alcance do Pronasci com o ambicioso Sistema Único de Segurança Pública (Susp), aos moldes do Sistema Único de Saúde. O Susp não decolou e até 2007 a distribuição anual de verbas foi, em média, de R$ 162 milhões. O Pronasci, que sucedeu o projeto, distribuiu mais de R$ 900 milhões em 2009.